Obrigado, Alessandro!
Aristides de Sousa Mendes:
um herói pouco conhecido
Tarefas nocturnas.
É a noite de 17 de Junho 1940,estamos em Bordéus: o homem tem um olhar febril, ansioso. Pediu a ajuda dos seus filhos, dos seus sobrinhos, trabalha à luz da lâmpada, carimba passaportes, assina vistos, usando todas as folhas de papel disponíveis.
“ Tenha cuidado, Cônsul: estes que aqui trago não são portugueses, e ainda por cima são judeus…”, diz-lhe Jacob Kruger, o rabino que com eles trabalha.
"A partir de agora, darei vistos a toda a gente, já não há nacionalidades, raça ou religião", replica-lhe o homem sem levantar a cabeça. O trabalho continua: no fim do dia 247 vistos, 247 esperanças de sobrevivência, estão prontas para uma infeliz multidão.
Uma tragédia bíblica.
Estamos nos estágios iniciais da Segunda Guerra Mundial: a 10 de Maio de 1940 a Alemanha lança uma ofensiva contra a França. Enquanto o exército alemão se aproxima a Paris, gera-se o pânico entre a população que se põe em fuga. Dá-se então inicio ao maior movimento de deslocação de pessoas da história da Europa: estima-se que cerca de dez milhões de pessoas, sobretudo mulheres, velhos e crianças, em pânico, se tenham posto em fuga, rumo ao sul, mas sem um destino concreto. Um movimento desordenado, que chegou inclusivamente a limitar a manobra do exército Francês até fugir em direcção ao inimigo!
É em princípios de Junho de 1940 que uma avalanche de população em fuga se abate sobre Bordéus.
O cônsul desobediente.
Como entre Setembro e Dezembro 1939 entraram em Portugal cerca de 9.000 estrangeiros, o Estado Novo emitiu a 11 de Novembro a Circular n.º 14, que obrigava os serviços consulares a consultar a PVDE e o Ministério antes de concederem vistos a judeus expulsos dos seus países. Aliás, a circular afirmava explicitamente que não tinha qualquer intenção de atrasar a concessão de vistos a passageiros em trânsito para outros países, geralmente as Américas.
Esta circular tem sido muito criticada, sobretudo por aqueles que queriam atacar o Estado Novo, mas é justo que se diga que as regras estabelecidas eram bem menos restritivas que as de outros países, como é o caso dos Estados Unidos e Canadá, e o caso mais extremo da Grã-Bretanha que logo a seguir à declaração de guerra, cancelou por completo a concessão de vistos, com receio da entrada de inimigos infiltrados: no mundo a pouca vontade de auxiliar judeus em fuga foi bem comum.
Seja como for, o Cônsul de Portugal em Bordéus, Aristides de Sousa Mendes, comovido pela vista daquela humanidade infeliz, resolveu desobedecer às ordens e, dizendo-se inspirado por um poder divino, começou a produzir falsos documentos. Quando a 8 de Julho de 1940 regressou a Portugal já tinha salvo milhares de vidas, assinando vistos de dia e de noite, até à exaustão física.
“Se há que desobedecer, prefiro que seja a uma ordem dos homens do que a uma ordem de Deus”.
Nada na biografia de Aristides, até então, fazia prever este acto. Com 55 anos à época, casado e pai de 14 filhos, servia o salazarismo tal como antes tinha servido a República. Era de tradição monárquica e católico, mas ficou comovido com a aflição de "toda aquela gente" que não "podia deixar de me impressionar vivamente", como ele disse no seu processo de defesa em Agosto de 1940.
Regressando a Portugal, Aristides foi dado como culpado no inquérito disciplinar e despromovido. Salazar reformá-lo-ia compulsivamente com uma pensão mínima. Os recursos de Aristides para os tribunais seriam em vão. Sem dinheiro, Aristides era socorrido pelo irmão e pela comunidade judia portuguesa.
Morreu no dia 3 de Abril de 1954. A sua morte não veria qualquer comentário ou informação na imprensa portuguesa: seria assim ignorado pelo país.
"Quem salva uma vida, salva o mundo".
Entre aqueles que obtiveram um visto do cônsul português contam-se:
• Otto de Habsburgo, filho de Carlos, o último imperador da Áustria;
• Norbert Gingold, pianista;
• Charles Oulmont, escritor francês;
• Salvador Dali, pintor;
• Gala Éluard Dalí, casada com Salvador Dalí;
• Robert Montgomery, o famoso actor de Holliwood;
• Sylvain Bromberger, Professor Emérito de Filosofia;
Enfim o reconhecimento.
Em 1966, o Memorial de Yad Vashem (Memorial do Holocausto situado em Jerusalém) em Israel, presta-lhe homenagem atribuindo-lhe o título de "Justo entre as nações". Já em 1961, tinham sido plantadas vinte árvores em sua memória nos terrenos do Museu Yad Vashem.
Ter-se-ia de esperar 34 anos para que Aristides fosse justamente reintegrado e louvado oficialmente em Portugal: em 1988 a Assembleia da República por unanimidade decidiu a reabilitação e reintegração póstuma de Aristides no corpo diplomático.
Aristides de Sousa Mendes foi sucessivamente homenageado no domingo 29 de maio 1994 em Bordéus e, no dia 24 de Março 1995 em Lisboa, Mário Soares entregou-lhe postumamente a Grande Cruz da Ordem de Cristo, por intermédio do seu filho, João Paulo Abranches.
Entretanto, há também o "Prémio Aristides de Sousa Mendes", atribuído pela Associação dos Diplomatas Portugueses, que distingue anualmente um trabalho de investigação sobre um tema de política internacional com relevância directa para as relações externas portuguesas.
Além disso, tem havido nos últimos anos uma onda de publicações sobre Aristides. Não só de livros, mas também de filmes (por exemplo, o filme documentário de Diana Andringa) e até de bandas desenhadas (p.ex., de Jocelyn Gille,"Bordeaux dans la Tourmente").
Por isso, Aristides de Sousa Mendes é cada vez mais conhecido em Portugal e também no resto do mundo. Ele bem o merece, porque "quem salva uma vida, salva o mundo".
ALESSANDRO CANNARSA
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