Não
sei de psiquiatria, não sei nada que me possa tornar competente numa matéria
como esta; posso, contudo, dizer o que penso, o que provém de certa observação
da realidade e de conhecimentos anteriores. Uma vez, ainda na escola, assisti a
uma conferência sobre a doença mental, em que um grupo de psicólogos e
psiquiatras nos ensinaram que não é preciso ter medo dos “loucos”, que a mental
é uma doença como muitas outras e que pode acontecer com todos. É verdade; mas
eu não consigo não pensar, talvez clinicamente errando, certamente aliás, que
os que chamamos loucos são pessoas que não conseguiram aceitar o mundo por como
ele é. E que, por certo moto de rebelião que eu,
romanticamente, admiro, criaram-se, mesmo em um nível ainda completamente
incosciente, um mundo-outro onde talvez não haja tanta frieza e crueldade como
neste em que passamos a vida. Já que citei o Romantismo, aliás, todos sabem que
a Loucura é um topos da cultura
romântica: na literatura como na arte, ela é o fim a que são destinados os
infeliz (estava a escrever os vencidos da vida, mas optei por outra solução
para não criar ambiguidades).
Mas não apenas no Romantismo: a da loucura
é um topos que percorre
transversalmente toda a história da cultura e particularmente da literatura,
mantendo o mesmo sentido de refugium
pecatorum: veja-se Luigi Pirandello, grande escritor italiano do século XX
cuja mulher tinha uma forma de doença mental; Pirandello fez da loucura o alvo
da sua produção literária, chegando a derrubar o limite “médico” entre saúde e
doença mental. Como podemos, diz-nos Pirandello, designar alguém como louco se,
na verdade, todos nós temos a nossa própria realidade, que fabricamos pela
simples exigência de sobreviver? O facto de algumas pessoas falarem sozinhas em
voz alta poderá sem dúvida ser sintoma de doença mental, mas o contrário, isto
é portar-se “normalmente” (palavra horrível) em público, poderá dar-nos a
certeza de que a nossa realidade é certa, óptima, indiscutível? O que os
chamados loucos veem diante de si, ou as vozes que ouvem, não é o mesmo que nós
vemos e ouvimos. Mas afirmar que não é “real” é muito mais complicado do que
possa parecer. No dia daquela conferência, na escola, eu tive vontade de fazer
uma pergunta que afinal não fiz, sabendo que seria uma pergunta “louca”: se
eles “não fazem mal a ninguém”, como uma psiquiatra algo egocêtrica (não
deixava falar os outros) não parava de repetir, porque não deixá-los em paz na
sua realidade? Porque fechá-los em hospitais, quando no mundo há quem seja
muito perigoso e está livre de fazer mal aos outros com as suas políticas que
matam os pobres? Perigoso pela sociedade é quem tem o poder, não quem o não tem
e nunca o terá.
Termino citando outra grande escritora do Novecento itailiano, Elsa Morante, que
em Il mondo salvato dai ragazzini imagina
que quem devolve a alegria a um mundo triste, cínico, sem esperanças, seja um
adolescente com doença mental. No final do poema, esse rapaz que nem fala, que
apenas toca uma pequena flauta e é afastado por todos acaba morto pelos nazis;
e o mundo, ao perder o som desafinado da flautinha alegre, perde até o menor
rastos de encanto que lhe restava.
MARIA SERENA FELICI
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