OXALÁ
Névoa de um
povo a sonhar. São estes os
versos do fado Céu da Mouraria, cuja
melodia, saindo das lojas e das casas, embala tão frequentemente o caminho de
quem passar pelas ruas deste bairro lisboeta. E, devendo escrever sobre esta
palavra tão esquisita, surgiu-me espontâneo pensar neste verso, pois o sonho é
o que mais nos faz pronunciar, ou ainda somente pensar, Oxalá... o fado Céu da
Mouraria refere-se especialmente ao povo português, como é de esperar. E de
facto, não é de estranhar que justamente a língua portuguesa possua uma palavra
tão mística, tão fatalista, tão encantadora.
Ela vem do árabe, é uma herança da
presença árabe que os portugueses têm guardado como preciosa, não no rasto dum
romantismo vazio que demasiadas vezes é-lhes associado, e sim por uma sabedoria
de fundo que compreende a consciência da limitação do poder humano. O que vem
depois de oxalá, aquilo que, segundo
a gramática, há de se conjugar no conjuntivo, é o que entregamos a Deus quando nos damos conta que o nosso poder
já terminou.
Não sei quantas línguas possuem locuções comparáveis a esta; o
certo é que se a língua é, como eu acredito, o “espelho” do povo que a fala, o
português deve ser visto como o povo mais sentimentalmente racional. Pois, de
certeza um particular como esta expressão contém um grande sentimento, é como Névoa de um povo a sonhar, é um modo de
expressar os próprios sonhos entregando-os a alguém que está acima da limitada
humanidade, de nunca deixar de sonhar, mesmo quando os acontecimentos da vida
parecem dizer o contrário do que desejamos; mas será que há algo de mal nos
sentimentos? Bem, talvez num mundo que quer transformar as pessoas em máquinas
haja. E, pergunto: será mesmo tão racional pensar que o poder do homem é
ilimitado? Ou não será mais maduro, e portanto mais racional, quem for consciente
dos próprios limites de ser humano?
Eu acho que a plena e verdadeira maturidade
se alcança ao fazer o que é da própria responsabilidade, sem deixá-lo a outros,
mas sem esquecer que não sempre se pode obter tudo, e sendo capazes de
renunciar, de vez em quando. E penso que quem diga oxalá tem esta consciência. Acreditar
que tudo está em nosso poder leva ao estilo de vida tipicamente burguês, que
esquece a verdadeira fé em nome dum Deus que está nas igrejas onde é preciso ir
aos domingos para exibir uma fachada de gente de bem.
E isso leva às várias
crises económicas, pois o dinheiro, que é algo limitado como tudo o que apenas
concerne o ser humano, não pode ser tratado como se o não fosse. Seria mesmo
preciso pensar aprofundadamente sobre conceitos quais “racionais” e
“sentimento”. Mas nunca temos o tempo necessário.
MARIA SERENA FELICI
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