reconstituiçãode João da Cunha Neves e Carvalho, in "Galeria pitoresca da historia portugueza", 1842
Na mesma edição do Diário de Notícias, Ana Marques Gastão publica uma breve biografia de Padre António Vieira.
António Vieira nasceu em Lisboa de uma família modesta de servidores do Paço. Entre os seus ascendentes contava-se uma avó mulata, provavelmente filha de uma escrava negra trazida para a metrópole. Jesuíta, pregador, missionário, homem de Estado, clássico vigoroso e dúctil da língua portuguesa, nele se fundem o idealismo utópico, sebastianista, e o homem de acção, tanto no domínio social como político.
Paladino de alguns direitos humanos (não tanto para as mulheres...), lutou por um Portugal independente, aquém e além-mar na época da Restauração. Nele acentuam-se facetas do Barroco, como o jogo, a ironia, o culto do paradoxo, a extravagância e a espiritualidade, bem como era sua uma mentalidade de feição escolástica e messiânica.
Se, para Marcel Bataillon, "Vieira era quixotesco", o jesuíta não tem apenas um lugar proeminente na literatura, mas na vida portuguesa do séc. XVII, tanto na metrópole como no Brasil. Talvez a sua ascendência tenha sido vital no futuro missionário que conhecia a língua geral dos índios. Foi aliás, no colégio da Baía que adquiriu uma formação de latinista, bem como aguçou a destreza dialéctica que o tornam único no seu tempo. Ordenado sacerdote em Dezembro de 1634, depressa se tornou num pregador teatral, acutilante e desassombrado, impetuoso.
De D. João IV e D. Luísa de Gusmão recebeu a admiração e a S. Roque acolhia um público só para o ouvir. Nos sermões de Vieira, as teses defendidas eram, umas vezes, teológicas, outras morais e políticas. António Sérgio considerou-o um clássico pela expressão, transparente, liberta da moda cultista: "Se gostas da afecção e da pompa das palavras e do estilo que chamam culto, não me leias" - adverte o orador, explicando que sempre lhe valeu a clareza e que só por ser entendido era ouvido. Defendia, portanto, uma estética da simplicidade, contra os "requintes gongóricos", e a refutação de elementos contrários no desenvolvimento da argumentação, após o que exigia o tirar uma conclusão.
Era um homem do poder estético, do movimento dialéctico, da música da palavra, concisa ou densa, não alheada da perspectivação de ideias, movimentada, plástica, valores, afinal, de uma época cultivadora de jogos de imagens quando era perigosa a reflexão. Gostava de ser admirado, havendo quem o acusasse de querer "pasmar" em vez de converter". Quanto ao púlpito, refere Hernâni Cidade, era a válvula de escape do comentário político."
Padre António Vieira, independentemente da abundância de uma personalidade invulgar e do vasto raio da sua acção , deve ser lembrado como um dos grandes mestres da língua portuguesa.
Ana Marques Gastão
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