A professora Luciana Stegagno Picchio, principal especialista italiana de Estudos Portugueses e Brasileiros, com cerca de meio milhar de trabalhos publicados na área da cultura de expressão lusófona, morreu a 28 de Agosto aos 88 anos.
Era professora emérita da Universidade de Roma La Sapienza, cujo Departamento de Língua e Filologia Românica chefiou durante várias décadas, e fora fundadora e responsável durante 11 anos da revista Quaderni Portughesi. Durante 20 anos colaborou no diário italiano La Repubblica, que publicou domingo último um texto de evocação da autoria do escritor Antonio Tabucchi com o título «Escuta a voz de Luciana».
«Na cátedra estava uma senhora bela e elegante que, com a voz com que merecem serem lidas as grandes poesias, lia uma poema antigo da idade média portuguesa, coevo da Escola Siciliana, que falava de separação e nostalgia», assim recorda Antonio Tabucchi o seu encontro no ano lectivo de 1964-65 com Luciana Stegagno Picchio, quando foi assistir a uma aula na Faculdade de Filosofia e Letras da Universidade de Pisa, a sua cidade natal. «Aquela professora de excepção era Luciana Stegagno Picchio».
Os trabalhos de Luciana Stegagno Picchio - cuja repercussão ultrapassou em muito as fronteiras italianas - e a sua forte ligação a Portugal e ao Brasil valeram-lhe inúmeras homenagens em vida. Recebeu o grande colar da Ordem de Sant'iago da Espada e era, desde 1975, membro correspondente da Academia das Ciências de Lisboa. Pertencia também à Academia Brasileira de Letras.
Stegagno Picchio destacou-se também pela sua postura activa em defesa da liberdade e da democracia, uma faceta recordada pelo ex-Presidente da República Mário Soares na homenagem de que foi objecto a estudiosa italiana em Julho de 2001, em Lisboa, organizada pelo Instituto Camões. Segundo o relato na imprensa italiana, Mário Soares contou ter dormido num sofá na casa de Luciana Stegagno Picchio, onde ela acolhia em Itália durante a ditadura «todos os portugueses, literatos ou não». «Nas recordações juvenis de Soares é Luciana que transporta de lambreta, do aeroporto de Fiumicine, um maço de cópias do Avante!», o jornal clandestino PCP, «para que qualquer um pudesse ler em Roma».
À homenagem de 2001 - intitulada Luciana Stegagno Picchio, A Língua Outra, numa referência ao seu idioma de adopção - compareceram personalidades como o escritor José Saramago, que lamentou tê-la conhecido já tarde, o ensaísta Eduardo Lourenço, que a descreveu como a «descobridora do Brasil», o poeta Hélder Macedo, o lusitanista Paul Tyssier, o crítico e docente Perfetto Quadrado, a italianista Rita Marnoto, e os académicos Carlos Reis e José Vitorino de Pina Martins. Na altura foi publicada uma fotobiografia organizada por Alessandra Mauro, uma das alunas predilectas de Stegagno Picchio.
Licenciada em Arqueologia grega pela Universidade de Roma, Luciana Stegagno Picchio era uma reputada filóloga iberista, historiadora da cultura e crítica literária. Leccionou na Universidade La Sapienza, como professora catedrática, de 1969 até 1996, Língua e literatura portuguesa e Literatura brasileira, segundo uma nota biográfica no sítio da Editorial Caminho.
Foi também professora visitante em vários países, entre os quais Portugal, Brasil e Estados Unidos, tendo neste último país colaborado em Boston com o linguista Roman Jakobson em estudos de literatura medieval e moderna portuguesa (Fernando Pessoa).
Entre as suas publicações dedicadas a Portugal destacam-se a Storia del teatro portoghese (Roma, 1964, trad. portuguesa, Lisboa, 1969), Profilo della letteratura drammatica portoghese (Milano, 1967), Ricerche sul teatro portoghese (Roma, 1969), edições críticas de poesia e prosa medieval, renascentista e moderna (lírica galaico-portuguesa, João de Barros, Gil Vicente), ensaios críticos sobre os principais autores de Língua Portuguesa desde Camões e Fernando Pessoa a José Saramago. Muitos destes ensaios foram recolhidos, em versão portuguesa no volume A Lição do texto (Lisboa, 1979) e, em francês, nos dois volumes de La Méthode Philologique com prefácio de R. Jakobson (Paris, 1982).
Entre as obras dedicadas ao Brasil destacam-se várias histórias literárias desde La littérature brésilienne (Paris, «Que sais-je?», 1982 e 1996 com trad. portuguesa e francesa) e La letteratura brasiliana (Firenze-Milano, 1972, com trad. romena, Bucaresti, 1986), até Storia della letteratura brasiliana (Torino, 1997, com ed. brasileira, História da Literatura brasileira, Rio, 1997). Amiga e Editora do poeta brasileiro Murilo Mendes, Poesia completa e prosa (Rio, Nova Aguilar, 1994).
VER também
artigo publicado no site do Instituto Português de Santo António em Roma
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