No seguimento da notícia aqui publicada no mês passado (http://viadeiportoghesi.blogspot.com/2009/11/saramago-e-signora-io-donna-del.html), vimos agora publicar a entrevista feita a Saramago e a Pilar del Rio quando vieram a Itália para o lançamento da versão italiana de "O Caderno".
Agradecemos muitíssimo à nossa aluna Roberta Spadacini o empenho e a perfeição com que traduziu este texto publicado na revista "Io Donna" a 24 de Outubro.
CASEI-ME COM O MEU OPOSTO
José Saramago e a mulher Pilar Del Rio estão em Itália para apresentar “O Caderno” (Bollati Boringhieri), o último livro do escritor português.
Para ele nada funciona, para ela notá-lo é já um bom sinal. Ela fala muito, ele está em silêncio. Juntos há trinta anos, o Nobel português e a mulher Pilar contam-nos como são diferentes. Mas iguais.
di Giulia Calligaro
José Saramago e a mulher Pilar Del Rio estão em Itália para apresentar “O Caderno” (Bollati Boringhieri), o último livro do escritor português.
Para ele nada funciona, para ela notá-lo é já um bom sinal. Ela fala muito, ele está em silêncio. Juntos há trinta anos, o Nobel português e a mulher Pilar contam-nos como são diferentes. Mas iguais.
di Giulia Calligaro
“Se tivesse entendido imediatamente como ele era nunca o teria casado”. Surpreende-me depois duma meia hora de palavras suaves Pilar Del Rio, mulher do prémio Nobel José Saramago, em Itália com o marido para apresentar “Il Quaderno” (Bollati Boringhieri), o novo livro nascido dum blog escrito pelo grande romancista português entre Setembro 2008 e Maio 2009, decididamente sem poupar eventos ou pessoas.
QUER DIZER QUE TROCOU TUDO? Pergunto-lhe numa sala de estar na entrada dum hotel de Turim, enquanto ele está sentado em frente, e finge de não ouvir.
“Não, absolutamente”. Assegura-nos a senhora com um sorriso solar e o olhar vivaz sempre dirigido ao marido. “Mas se tivesse sabido quanto somos diferentes, tinha tido medo”.
O encontro fatal aconteceu há 23 anos, quando Pilar, jornalista andaluza, foi ao encontro de Saramago em Lisboa para escutar a leitura do suo “O ano da morte de Ricardo Reis”, num itinerário lusitano que atravessou as etapas do livro. Estava-se em1986, ele tinha 63 anos e ela 36. Dois casamentos e uma filha ele, um divórcio e um filho ela. Apertam as mãos, trocam os endereços, e um mês depois ele vai ter cm ela pela via da Espanha e trá-la para Portugal. Um ano e casam-se.
DEL RIO: “ Em seguida casamo-nos outra vez em 2007 na Espanha, porque o casamento não foi registrado”. Nada mal para quem hoje tem estas dúvidas.
O QUE É QUE A CONVENCEU EM CASAR-SE?
“Estimava o escritor e descobri que o ser humano era exactamente igual ao artista: coerente, valoroso, rebelde”.
SARAMAGO: “Eu tinha entendido imediatamente que ela era muito diferente, mas o meu problema eram os meus amigos: diziam-me que era demasiado jovem, que não podia durar”.
Efectivamente Saramago escutava-nos. E o que mais assombra desta nova versão do autor do “Ensaio sobre a cegueira” e “A jangada de pedra” é que até há uma hora me falava com o indicador levantado, desejando que a palavra “esperança” fosse banida do dicionário, proclamando não só não acreditar na imortalidade da alma, mas nem mesmo na da obra: “Eu escrevo só para o meu tempo e sei que tudo vai morrer”, afirmava desafiando os seus 87 anos. Nenhum pacto com Deus, afinal – o seu novo romance “Caim” em estreia em Portugal, anuncia-se irreverente como foi “ O Evangelho segundo Jesus Cristo” e mostra mesmo a coragem de dizer que debater sobre o significado da vida é obsceno.
E O AMOR?
S “Há o amor dos 18 anos, o dos 40 e o dos 80. Falamos do amor eterno só porque somos mortais, mas não há um só amor. O que tenho pela Pilar, defeni-lo-ia como o verdadeiro amor, o que dá alegria”.
DR “A satisfação e a alegria de estar juntos”.
Até agora tudo permanece em harmonia. Mas se lhes pergunta o que é é esta alegria respondem:
S “ Estar juntos em silêncio”.
DR “ Não, eu nunca estou em silêncio”.
E aqui começa a disputa: porque ela é impulsiva e ele é reflexivo, ele é racional e ela é emotiva, ele é inflexível e ela disposta a mediar.
UMA VEZ MAIS NESTE LIVRO, SARAMAGO É MUITO PESSIMISTA, E A SENHORA?
DR “Absolutamente optimista, mas agora revelo-lhe o segredo da nossa união: nós achamos a mesma coisa, temos a mesma visão do mundo, a mesma visão política militante, o mesmo sentido de justiça. Só que ele diz que nada vai bem: o escândalo Berlusconi em Itália, os efeitos da presidência Bush no mundo, a pobreza, as guerras de religião. E chama tudo isto “pessimismo”. Eu digo que quando se nota que alguma coisa não funciona já é um primeiro passo para mudá-la: por isso eu o chamo “optimismo”. A ideia é igual, mas as palavras são opostas”.
QUANTO LHE CUSTA SER A SRª SARAMAGO?
DR “Todas as relações humanas são complicadas. Ainda mais quando é com uma pessoa pública porque implicam uma devoção total. Eu traduzo a obra do meu marido em espanhol, presido a Fundação Saramago que inaugurámos em 2007 em Lanzarote, onde vivemos desde há quinze anos, acompanho-o nas suas viagens e também trabalho como jornalista”.
ALGUMA RENÚNCIA?
DR “Fiz a minha escolha, por isso nenhuma renúncia. O nó verdadeiro é ter a capacidade de nos desenvolvermos da mesma maneira e nós temos. Se uma parte permanece atrás o casal fica infeliz. Muitas mulheres que têm uma vida desenvolvida ficam sozinhas porque nenhum homem é capaz de as seguir. Pensemos no governo espanhol: metade é formado por mulheres e entre todas há três filhos e um casamento. No XXI século é ainda necessário escolher família ou carreira, não há uma forma alternativa de sociedade. As mulheres seguem mais facilmente os empenhos dos homens e não vice-versa.
A DIFERENÇA DE IDADE FOI UM PROBLEMA?
DR “Não, nem de um ponto de vista físico nem psicológico. É uma relação madura, que veio depois de outros casamentos”.
Não hesitamos em acreditar que a energia da Pilar foi o aguilhão que esporeou o marido a escrever o blog. Um fenómeno novo para um escritor que se define “homem antigo” e que com outras armas fez oposição a um regime como o de Salazar no seu país.
ACREDITA QUE HOJE A FACILIDADE DA COMUNICAÇÃO TAMBÉM TRAZ UMA MAIOR EFICÁCIA DA PALAVRA?
S “Pelo êxito que teve o livro deduzo que a superstição do novo faça pensar que a tecnologia é a guardiã de grandes coisas. Pelo contrário eu acho que pelo facto da internet se ter enchido de frivolidades, nunca poderá substituir as artes maiores”.
De momento o blog surtiu efeito inesperado, visto que por causa de uma invectiva “sincera” contra o nosso Premier, a Einaudi renunciou à publicação do livro. Nenhuma cortesia para Bush ou Sarkozy. Com Obama todavia acende-se uma luz.
BARACK OBAMA LEVA O PRÊMIO NOBEL DA PAZ. DIGA-NOS ALGO.
S “A sua eleição foi uma grande notícia, este prémio chega um pouco cedo. Desejo que seja para o que vai fazer”.
Pilar diz que sim com a cabeça e agita as mãos para dizer também ela a sua opinião enquanto ele quer prosseguir, com resolutos “nãos”.
QUAL FOI O MELHOR PRESENTE QUE LHE DEU A SUA MULHER PILAR?
S “Deu-me a sua grande capacidade de amar. Não digo que antes tenha sido um egoísta, mas ela vive para os outros.
E PARA A SENHORA, QUAL FOI O MELHOR PRESENTE QUE LHE DEU O SEU MARIDO?
DR “Ensinou-me a ter uma posição firme. Onde ele é intransigente, eu sou sempre demasiado transigente”.
S “Somos complementares”.
DR “Tese, antítese, síntese: uma receita perfeita”.
E leva-o pela mão até ao elevador, esperando com grande força o seu passo.
Tradução para português de ROBERTA SPADACINI
2 commenti:
Parabéns Roberta!!!
Diogo
Gostei muito de ler e vou colocar um link no meu blog para aqui!
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