Pois que me parecia inútil repetir lugares comuns, assuntos já tratados, acrescento aqui as minhas — poucas e desordenadas — recordações pessoais: as que, com qualquer presunção, creio me pertençam, a mim próprio e a nenhum outro.
Portanto, sempre desordenadamente, vou começar escrevendo dois números: 25 e 28. Mas não os explico já…
Fui a Lisboa só duas vezes (que pena!). A primeira vez em 1995, a segunda exactamente dez anos depois (tratou-se de uma pura coincidência).
Em ambos os casos foi em Abril, e então tive também a sorte de assistir à celebração de 25 de Abril — eis o primeiro número — na capital portuguesa. Não falarei agora na forma lusitana de festejar — e de ser —, discreta, educada, cheia de dignidade, tímida e também um bocadinho introvertida (tão diferente da espanhola!), que adoro. Acrescento somente que, desde o meu segundo 25 de Abril português, faço parte daquela porção de humanidade (quantos somos?, chegamos à centena?) que, pela primeira vez na sua vida, viu o filme “Capitães de Abril” na televisão num quarto dum hotel de Lisboa…
Mas vamos avante.
Com um jogo de palavras “volto” à minha primeira “chegada” a Lisboa. A qualidade da luz! Então era verdade o que contava sempre a minha professora da Universidade (a grande e inesquecível — no bem e no mal — Luciana Stegagno Picchio): que Lisboa tinha aquela mesma luz que também Roma tem — dourada, como de pérolas desfeitas.
Lisboa e Roma surgem ambas sobre sete colinas.
Tudo isto, a luz e as sugestões que me tinham ensinado, somado à doce melancolia do espírito que eu tinha sentido no próprio momento de pisar o chão da Baixa, fez-me experimentar a nítida sensação de eu já ter estado aí — de me encontrar como em minha casa.
Este, assim, foi a primeira lição que tive de Lisboa, uma espécie de teorema pelo qual hoje em dia concluo que existem só três tipos de lugares, de cidades:
as cidades conhecidas (onde já temos estado)
as cidades des-conhecidas (onde nunca fomos)
e as cidades re-conhecidas (onde nunca fomos; onde porém, sem o sabermos, temos sempre vivido — como Lisboa para mim).
Fica ainda a explicar aquele outro número, o 28.
Se ainda não o tivessem adivinhado, é o eléctrico que parte (ou partia, não sei) da Praça Martim Moniz e leva até o Castelo, depois de ter ido em volta pela Alfama, subindo por vielas tão estreitas que o condutor (no meu caso era uma mulher negra, provavelmente caboverdiana) não consegue se travar e acaba por gritar palavrões terríveis aos carros ou, pior, aos camiões que lhe bloqueiam o caminho.
Apanhei-o por acaso. Desde sempre tinha querido dar uma volta à cidade por mim mesmo, de autocarro, de eléctrico, de metro. Não encontrei dificuldades — foi maravilhoso. Uma outra maneira de me mascarar de lisboeta.
Algum tempo depois li numa revista de viagens, num artigo sobre Lisboa, mais ou menos estas palavras: «… e não percam o eléctrico número 28, que faz uma volta lindíssima por Alfama e chega até o Castelo de São Jorge…».
Há muitas outras coisas, obviamente, como em qualquer viagem que se respeite.
Por exemplo quando esperei todo o dia, em vão, perto do silenciosíssimo porteiro do Instituto Camões, para ser recebido pela Presidente. Ou quando, nos Armazéns do Chiado, caiu-me no chão uma garrafa de cerveja. Ou quando tentei encontrar o endereço dum leitor da Universidade — cujo apelido era Chaves —, e fi-lo chamando o operador por um telefone público, e ele pronunciava “tchaves”, à espanhola ou talvez à galega. Ou quando os pasteis de nata me comoveram, de tanta perfeição. Ou aquela bailarina, branca de ar e espuma, a fazer piruetas mesmo na base da Torre de Belém. Ou quando, sentado diante do mar a que chamam Tejo, queria que o tempo parasse — que a passagem dos navios prosseguisse até o infinito. Ou a velhinha que cantou um fado ao sol-posto, enquanto estávamos debruçados a admirarmos a cidade pelo miradouro — e talvez não era apenas uma mulher idosa, mas também uma sereia…
Há muitas outras coisas, sim. Mas a quem interessam?
STEFANO VALENTE
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