lunedì 15 novembre 2010

Aniki-bobó (1942) e Singularidades (2009) de Manoel de Oliveira - analisados por Cristina Gemmino


Excelente análise da nossa aluna CRISTINA GEMMINO, no âmbito do Laboratorio di Traduzione e Revisione Testi da Università degli Studi di Roma Tre: dois filmes de Manoel de Oliveira em confronto. Quais os paralelismos possíveis entre a sua primeira longa-metragem, e a adaptação do conto queirosiano "Singularidades de uma Rapariga Loura"? Aqui deixamos esta leitura que louvamos pela profundidade e pelo modo como foi escrita.




“Aniki bebé
Aniki-bóbó
Passarinho tótó
Berimbau, Cavaquinho
Salomão
Sacristão
Tu és Polícia, tu és Ladrão”



Esta é a “fórmula mágica”, podemos dizer, que as crianças recitam para brincar e compreender quem é o ladrão e quem é a polícia: fórmula que, neste caso, também deu o título ao filme...”Aniki-bóbó”.
Esta longa-metragem (de 1942) apresenta de uma maneira tanto subtil quanto incompreensível, um tema que se tornará o tema preferido pelo regista Manoel de Oliveira: o amor por uma rapariga pode condicionar a acção de um rapaz.
Tudo acontece na cidade do Porto (perto do rio) entre três personagens principais, motor de acção nesta longa-metragem: Carlitos, o sonhador, Eduardo, o chefe do grupo e enfim a linda Teresinha que com os seus olhos encanta quer Carlitos quer Eduardo. Na escola, os meninos lançam-se sempre olhares de desafio porque cada um quer conquistar o coração de Teresinha. Este amor leva, Carlitos à “Loja das tentações” (nome que já esconde um possível sinal do futuro projecto de Carlitos) para roubar a boneca de que tanto gostava a Teresinha.
Por outro lado, Eduardo organiza uma reunião com todos os outros companheiros da aula, sem, evidentemente, dizer nada a Carlitos.
Para “assegurar o coração” de Teresinha, Carlitos, de noite, vai pelos telhados da cidade até à janela de Teresinha para lhe oferecer a boneca roubada.
A tensão entre os dois meninos começa subir e chega ao ápice quando Carlitos - enquanto se escondia do dono da loja, que procurava o responsável do furto - vai com alguns companheiros da aula, entre eles Eduardo, até à colina; aqui todos juntos começam brincar, recitando a fórmula mágica de “Aniki-bóbó”.
Ao som da chegada do comboio, os dois rivais começam lutar por um olhar da linda Teresinha e por acidente Eduardo tomba ao lado do comboio em movimento: todas as suspeitas caem sobre Carlitos.
Só a palavra do dono da loja, que estava ali, “salva” Carlitos de qualquer suspeita.
Todos os elementos representados nesta longa-metragem, têm um objectivo comum: traçar as características dos meninos ingénuos (Carlitos e Eduardo) e a originalidade da acção e não-acção de Teresinha, a rapariga maliciosa. Falo de não-acção para Teresinha porque ela é a menina que está à espera de gentilezas, feitas pelos meninos: podemos dizer, neste caso, que Teresinha é a Beatriz de Dante Alighieri na sua “Vita Nuova”, a menina que leva à acção dos seus namorados.
Mais ou menos 67 anos depois, Manoel de Oliveira, apresenta ao Festival do cinema de Berlim 2009, um filme baseado na obra-prima do escritor realista português Eça de Queiróz.
Trata-se, ainda aqui, duma história de amor: o amor de um jovem, Macário, trabalhador no armazém lisboeta do tio Francisco, por uma rapariga loura, Luísa, que ele olhava sempre pela varanda do seu escritório. Numa viagem de comboio para o Algarve, Macário conta as aventuras da sua vida amorosa a uma senhora desconhecida. De facto, ele conta as “singularidades” desta rapariga: o seu leque chinês, os seus cabelos louros, o seu olhar azul... elementos que tinham levado à curiosidade do jovem Macário para conhecer a linda rapariga.
Um dia, Macário, tendo vindo a Luísa à loja de tecidos, desce abaixo para encontrá-la e falar-lhe: é por Luísa, esta rapariga loura, que Macário se apaixona completamente. Macário, então, quer casar-se com ela e pede ao tio Francisco a bênção; mas o tio discorda, despede-o e expulsa-o de casa. Sozinho, Macário começa procurar trabalho em todos os lugares de Lisboa, mas o tio Francisco tem muitos amigos que o conhecem há muito tempo e que, por isso, não o querem desafiar empregando o sobrinho. A fortuna do jovem chega com um trabalho em Cabo Verde; Macário consegue enriquecer ali e quando volta para Lisboa, obtendo a aprovação do seu tio para casar Luísa, ele descobre a verdadeira “singularidade” da rapariga: é uma ladra, que numa joalharia rouba um anel de brilhantes. Ela é desmascarada pelo seu futuro noivo e por ele abandonada.
Também nesta longa-metragem todos os elementos são úteis para sublinhar um aspecto comum com a longa-metragem de “Aniki-bóbó”: as características do homem maduro (supõe-se) que se apaixona por uma rapariga loura.
Em ambas as longas-metragens, a história, em geral, é a mesma mas a “singularidade” (eu prefiro chamá-la assim) está na reacção dos dois (ou três, se incluirmos também Eduardo) protagonistas masculinos, de Carlitos e Macário, face às raparigas por quem eles se apaixonaram.
No primeiro caso, o de Carlitos, a reacção é infantil porque o leva a roubar uma boneca, acto que não é aceitável numa sociedade civil; por outro lado, a reacção de Macário é um pouco mais viril porque a afronta a seu tio e a expulsão do seu escritório, levam Macário (que quer casar Luísa) a Cabo Verde com o objectivo, mais valoroso do que o de Carlitos, de ganhar bastante dinheiro para se casar. Atrás desta acção, de qualquer modo, esconde-se sempre uma forma infantil, ligada ao choro de Macário em frente da rapariga antes de deixar Lisboa para Cabo Verde.
Apesar de apresentar este elemento discordante, as duas longas-metragens têm dois aspectos comuns e também interessantes: o primeiro está ligado ao “ruidoso” silêncio que caracteriza ambos os filmes; “ruidoso” silêncio porque atrás deste se esconde a vontade do realizador, Manoel de Oliveira, de envolver nas acções o público, ou seja, de levar o seu público a sugerir os movimentos dos personagens; ao mesmo tempo, na minha opinião, o objectivo do realizador é também o de apreciar silenciosamente os barulhos de duas cidades preciosamente ricas como o Porto e Lisboa.
William Shakespeare antes e Manoel de Oliveira dois séculos depois, propõem a mesma imagem: a jovem rapariga numa varanda que olha o seu “namorado”. Então, o balcão torna-se o elemento de acção quer em “Aniki-bóbó” quer em “Singularidades de uma rapariga Loura” mas que leva a duas reacções diferentes.
Enfim, quer o balcão, quer o olhar das raparigas, quer o silêncio, quer os dois jovens, são elementos que juntos a muitos outros, fazem destas duas longas-metragens, dois exemplos da vida portuguesa “verosimilmente real”.

CRISTINA GEMMINO

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