lunedì 15 novembre 2010

Recensão de Duarte Pinheiro: "O Deus do Bosque"


É com grande alegria que aqui pomos à disposição dos nossos leitores a recensão publicada no semanário "Grande Porto" no passado dia 22 de Outubro do romance "O Bom Inverno" de João Tordo - feita pelo nosso colega e amigo Dr. Duarte Pinheiro, leitor de Português nas Universaiaddes de Aquila e de Salerno.

Um grande abraço de parabéns ao Duarte!



O Deus do Bosque

O novo romance de João Tordo - “O Bom Inverno” - baseia-se na história de uma procrastinação. “Que coisa pode ser mais ridícula do que um escritor que não acredita na literatura, embora julgue, paradoxalmente, que esta acabará por o vingar?” (p. 13) interroga-se o narrador da mesma, um escritor desiludido com as falácias do seu mundo e hipocondriacamente coxo. Depois de alguma relutância, o protagonista decide participar num encontro de escritores em Budapeste, onde conhece um jovem mas ambicioso escritor italiano, Vincenzo Gentile; e é este quem lhe propõe, por mero interesse profissional, umas férias de verão (ou será ironicamente 'um bom inverno') na casa de um famoso produtor cinematográfico – Don Metzger – em Sabaudia, Itália. Nessa casa imersa num bosque, o nosso narrador conhecerá gente excêntrica, como Roger e Stella Dormant, realizador e actriz de filmes pornográficos que prolongam os seus ofícios para além das filmagens em noites extasiantes de álcool, sexo e drogas, ou ainda, Andrés Bosco, um artista catalão que, para deleite do seu mecenas (o próprio Don Metzger), constrói balões de ar quente que vagueiam vazios pelos céus azuis do Lácio. Todavia, o nosso escritor não chega a conhecer o anfitrião da casa, ou melhor, conhece-o já morto. E o assassinato deste produtor é o (um dos) ponto(s) de viragem da história, como se descarrilássemos em episódios mais ou menos surpreendentes. As personagens ficam presas no covil do assassino e o destino delas é imprevisível. Mas um escritor raramente poderá contar a verdade, inventando-se mentiroso e cobarde, adiando para tal uma outra existência e refugiando-se no peso indelével das palavras. Nós, leitores, não esperávamos que uma história sobre o destino niilista de um escritor e o lugar da própria literatura - “uma mentira impossível em substituição da vida possível que constantemente recusavam.” (p. 50) – fosse, afinal, um policial cru, espesso, e castrador. Os diálogos fluidos e os jogos semânticos adensam uma história já de si misteriosa e perturbadora, e nem sequer faltam as notas de rodapé que nos fazem recuar estilisticamente até José Cardoso Pires. O autor de As Três Vidas volta a surpreender-nos, escrevendo um romance vertiginoso e cortante, mas que poderá ser apenas mais uma “escusada mentira” (p.288) de quem textualmente encontra na morte uma factível vida.

Duarte Pinheiro

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