ilustração de Raul Lino
Andava o povo assustado
A fazer a montaria
Ao grande lobo esfaimado
Que tanto mal lhe fazia.
Ele levava nos dentes,
Agudos e carniceiros,
Os meninos inocentes
Que são os alvos cordeiros.
E as pessoas assaltando,
Vinha de noite, em segredo,
Com os seus olhos chamejando,
Encher a gente de medo.
Ora S. Francisco era
Incapaz de querer mal
Mesmo que fosse uma fera,
Até ao tigre-real.
Tinha tão bom coração
Que homens e bichos o amavam
E as andorinhas poisavam
Na palma da sua mão
E como ele desejava
Que tudo vivesse em paz,
Enquanto o povo caçava,
O Santo, o Poeta que faz?
Procura o lobo cruel,
E, tendo-o encontrado enfim,
Chamou-o, e foi para ele,
Sorriu e falou-lhe assim:
- Eu sei porque fazes mal,
Eu sei o que te consome:
Tu és tão mau, afinal,
Tu és mau porque tens fome.
Pois bons amigos seremos,
Para nosso e teu descanso
E de comer te daremos
Para poderes ser manso.
Promete que hás-de emendar
De vida neste momento;
E, em sinal de juramento,
Levanta a pata ao ar
E põe-na na minha mão!
Jurou o lobo e cumpriu
Depois a gente o viu
Tão mansinho como um cão.
Afonso Lopes Vieira
in Animais nossos amigos , Versos, Lisboa, 1911
Afonso Lopes Vieira nasceu em Leiria a 26 de Janeiro de 1878 e faleceu em Lisboa a 25 de Janeiro de 1946. Era filho de Afonso Xavier Lopes Vieira e de Mariana Xavier Lopes Vieira, sobrinho-neto do poeta, prosador e jornalista António Xavier Rodrigues Cordeiro.
Na aldeia de Cortes - Leiria, na livraria em casa do seu tio-avô,
privou com os clássicos aí existentes. Aliás a sua vida foi vivida
entre o seu solar em Lisboa e a casa de Verão de São Pedro e completada
com algumas viagens por Espanha, França, Itália, Bélgica, norte de
África e Brasil.
Ainda que, nas palavras do poeta, fosse " o mesmo aluno medíocre que já for ano curso dos liceus"
formou-se em Direito pela Universidade de Coimbra em 1900. Declinou o
cargo de subdelegado régio e tentou a carreira de advogado sob a alçada
do pai até 1906, ano em que aceitou o cargo de redactor na Câmara dos
Deputados que exerceu até 1916.
Quanto à sua dedicação à literatura portuguesa é em 1897 com o livro “Para Quê?” que marca a sua estreia. No entanto, só em 1916 se dedica em exclusivo a esta actividade que se prolonga até 1947, data em que publica o seu ultimo livro:“Branca Flor e Frei Malandro”.
Pelo meio, "perdidos" entre publicações em jornais, artigos,cartas e
entrevistas, ficaram ainda mais de uma dúzia de obras literárias,
canções, fotografias e de um filme: “O Afilhado de Santo António” de 1928.
Foi um acérrimo defensor do património cultural Português,
o que lhe valeu o reconhecimento de alguns (regime politico) e a
critica de outros (Fernando Pessoa). No entanto e com o texto “Éclogas de Agora” publicado em 1935 demarca-se da ideologia Salazarista.
Afonso Lopes Vieira foi um ecléctico homem de cultura. É considerado um ilustre poeta,
um dos primeiros representantes do Neogarretismo, ligado à corrente
conhecida como Renascença Portuguesa. Atributos estes que o tornaram digno do titulo de "Grão-Mestre de Portugalidade".
Entre algumas homenagens que foram feitas ao autor dado o seu
relevo na cultura Portuguesa podemos salientar a Biblioteca Municipal e
uma das escolas secundárias em Leiria com o seu nome e o museu criado na
sua casa de São Pedro de Moel e reconhecendo também a forte ligação do
poeta com a música, o grupo coral CantábiLis (Grupo Coral da CGD Leiria)
realiza anualmente o Festival Internacional Afonso Lopes Vieira.
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