lunedì 16 novembre 2009

Mais "Espelho Mágico" - de Stefano Valente


Outro texto brilhante de um outro aluno de Português (que é também um romancista traduzido e editado em Portugal!): Stefano Valente fala-nos do seu "Espelho Mágico"...





Acho que o excerto do filme O espelho mágico, de Manoel de Oliveira, visto na última sexta-feira, pode ser considerado um bom exemplo da produção criativa do cineasta português. Personagens emblemáticas — ícones, mais do que simples figuras quotidianas — movem-se em sequências que parecem ficar num “tempo fora do tempo”, e falam de assuntos que partem de factos comuns, mas imediatamente se tornam matérias universais, próprios da humanidade inteira.

O sentido fundamental do filme — e, talvez, da vida mesma — desenvolve-se em diálogos que ficam colocados numa atemporalidade. É a atemporalidade — compreendemo-lo rapidamente — das representações, da história que se conta, do teatro.

E o conto que Oliveira faz da existência da Dona Alfreda, «a senhora rica» em busca de visões e aparições sagradas, é também a parábola teatral de séculos (ou melhor: de mais que dois milénios) passados pelo homem a justificar os seus actos em nome da religião, a submeter-se a ela — e a submeter os outros.

Mas não é só isto. O realizador serve-se da protagonista, e da ansiedade da sua fé, para simbolizar o tormento e a angústia da classe social mais alta e endinheirada contemporânea — e, em particular, cristã — frente ao seu sentido de culpa.

Dona Alfreda, sempre protegida na sumptuosidade da sua casa de campo e do seu jardim (que é comparado com o das Oliveiras, do Evangelho), consegue obter uma razão para a sua riqueza. E talvez também uma explicação e uma desculpa diante dos menos afortunados, dos pobres.

O misticismo como álibi. Isto é: a encenação da “divina comédia” de Dona Alfreda. Porque também «Nossa Senhora era rica», como diz a protagonista.
Em suma: somente alguns minutos do cinema de Manoel de Oliveira, e já vem o desejo de ver todos os filmes deste centenário realizador portuense.

Com uma dúvida: que se Deus existe, e o conserva em tão boa saúde, tem de ser porque nós precisamos dele.

E do seu espelho mágico, no qual se reflectem os pecados do nosso viver…


STEFANO VALENTE

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