O estudo de alguns excertos da obra imortal de Almeida Garrett, "Frei Luís de Sousa", inspirou a escrita criativa de alguns dos nossos alunos...
Imaginar o que teria acontecido àquela família se, quando estavam chegando os Governadores espanhóis, Manuel de Sousa Coutinho não tivesse pegado fogo ao seu palácio. Será que alguma vez o Romeiro teria chegado à fala com D. Madalena de Vilhena?
Esta é a versão de Stefano Valente:
Imaginar o que teria acontecido àquela família se, quando estavam chegando os Governadores espanhóis, Manuel de Sousa Coutinho não tivesse pegado fogo ao seu palácio. Será que alguma vez o Romeiro teria chegado à fala com D. Madalena de Vilhena?
Esta é a versão de Stefano Valente:
Se Manuel de Sousa Coutinho não tivesse posto fogo ao palácio
ou seja
Como poderia mudar a História (e a literatura) de Portugal
1599. Opondo-se à dominação espanhola — encarnada pelos Governadores do Rei Filipe —, o fidalgo Manuel de Sousa Coutinho incendeia o seu palácio de Almada.
Pareceria um episódio marginal da História portuguesa, um acontecimento de carácter sobretudo pessoal — referido, isto é, à vida de Manuel de Sousa Coutinho — que se torna célebre graças à tragédia Frei Luís de Sousa de Almeida Garrett.
Porém a realidade é diferente. E muito.
Porque, se Manuel de Sousa Coutinho não tivesse pegado fogo ao seu palácio, não somente Garrett nunca escreveria a sua obra imortal, mas nem sequer haveria uma História portuguesa…
De facto, se tivesse faltado exemplo do incêndio por mão de Manuel de Sousa Coutinho, eis o que se poderia ter dado...
Antes de mais, entre a fidalguia lusitana prevalece a obediência ao opressor castelhano — os nobres nunca levantarão a cabeça contra o jugo da coroa espanhola.
Com respeito ao povo (é inútil perder-nos em pormenores: como o de D. João de Portugal, reconhecido sob o disfarce de romeiro, preso pelos valentões dos Governadores, e escarnecido mesmo à presença da sua mulher e do seu actual marido), o povo acabará para se conformar à submissão e à sujeição dos fidalgos portugueses.
Ano após ano, o período dos Filipe, verá Portugal sempre mais reduzido a uma província do Reino de Castela. O que foi o esplendor do passado, até a gloria da Idade dos Descobrimentos — em que a Nação lusitana se impusera em todas as latitudes — tudo está esquecido!
Em Lisboa, a Praça do Comércio fica toda fechada por altas escadarias, e cheia de areia — e nela ressoam os ¡Olé! ¡Olé! dos espanhóis que assistem à corrida!...
Mas demos um salto para a frente — até hoje, aos nossos dias...
Nas Canárias, na ilha desértica de Lanzarote, debaixo dum sol ainda cruel embora, já seja tarde, o pobre Zé sai do escritório da pedreira em que trabalha. À vista dele, os operários com os picões e os baldes cheios de pedras, riem como sempre, e um deles dá um empurrão ao esquelético e distraído secretário da mina. Gostam muitíssimo de olhar para o portuga quando lhe caem todas aquelas folhas escritas da mão— quantas são!...
Zé, lutando contra o vento e a poeira, apanha os papeis do chão. Finalmente, encharcado de suor, consegue reunir toda a obra em que está a trabalhar nesse momento: é uma tragédia, mas ainda não decidiu o título…
Umas horas depois, Zé volta para casa. A mulher dele, a espanhola Pilar, espera-o no limiar. Com a habitual expressão de desaprovação e raiva.
E também hoje, quando o marido, coitado, tenta dar-lhe um beijinho para a saudar, Pilar começa a gritar e a queixar-se. Uma verdadeira avalancha de lamentos e acusações inflexivelmente em língua castelhana: quando é que o Zé vai acabar com esses atrasos?, e o que é que ele pensa?, que talvez ela não saiba que seu marido todos os dias se perde pelas vielas de Lanzarote a ler e a corrigir aqueles rabiscos nas folhas?, e o que é que está a escrevinhar agora?, sempre aquela doidice do convento?, em vez de procurar um trabalho com mais dinheiro!, talvez que na Suécia estejam a esperar o senhor Zé Saramago, um simples secretário de pedreira, para lhe conferir o Nobel à literatura?...
«Não, não Pilar — acalma-te», responde Zé à sua mulher, cabisbaixinho. E logo, com apenas um fio de voz: «Nesta altura estou a escrever uma tragédia histórica… Acho que a vou intitular Frei Luís de Sousa — gostas?...».
Àquelas palavras Pilar fica enfurecida. Lança-se sobre o marido como uma gata selvagem:
«¡Maldito que tú eres! ¡Nunca me debes hablar en dialecto, lo sabes! ¡Nunca!...»
ou seja
Como poderia mudar a História (e a literatura) de Portugal
1599. Opondo-se à dominação espanhola — encarnada pelos Governadores do Rei Filipe —, o fidalgo Manuel de Sousa Coutinho incendeia o seu palácio de Almada.
Pareceria um episódio marginal da História portuguesa, um acontecimento de carácter sobretudo pessoal — referido, isto é, à vida de Manuel de Sousa Coutinho — que se torna célebre graças à tragédia Frei Luís de Sousa de Almeida Garrett.
Porém a realidade é diferente. E muito.
Porque, se Manuel de Sousa Coutinho não tivesse pegado fogo ao seu palácio, não somente Garrett nunca escreveria a sua obra imortal, mas nem sequer haveria uma História portuguesa…
De facto, se tivesse faltado exemplo do incêndio por mão de Manuel de Sousa Coutinho, eis o que se poderia ter dado...
Antes de mais, entre a fidalguia lusitana prevalece a obediência ao opressor castelhano — os nobres nunca levantarão a cabeça contra o jugo da coroa espanhola.
Com respeito ao povo (é inútil perder-nos em pormenores: como o de D. João de Portugal, reconhecido sob o disfarce de romeiro, preso pelos valentões dos Governadores, e escarnecido mesmo à presença da sua mulher e do seu actual marido), o povo acabará para se conformar à submissão e à sujeição dos fidalgos portugueses.
Ano após ano, o período dos Filipe, verá Portugal sempre mais reduzido a uma província do Reino de Castela. O que foi o esplendor do passado, até a gloria da Idade dos Descobrimentos — em que a Nação lusitana se impusera em todas as latitudes — tudo está esquecido!
Em Lisboa, a Praça do Comércio fica toda fechada por altas escadarias, e cheia de areia — e nela ressoam os ¡Olé! ¡Olé! dos espanhóis que assistem à corrida!...
Mas demos um salto para a frente — até hoje, aos nossos dias...
Nas Canárias, na ilha desértica de Lanzarote, debaixo dum sol ainda cruel embora, já seja tarde, o pobre Zé sai do escritório da pedreira em que trabalha. À vista dele, os operários com os picões e os baldes cheios de pedras, riem como sempre, e um deles dá um empurrão ao esquelético e distraído secretário da mina. Gostam muitíssimo de olhar para o portuga quando lhe caem todas aquelas folhas escritas da mão— quantas são!...
Zé, lutando contra o vento e a poeira, apanha os papeis do chão. Finalmente, encharcado de suor, consegue reunir toda a obra em que está a trabalhar nesse momento: é uma tragédia, mas ainda não decidiu o título…
Umas horas depois, Zé volta para casa. A mulher dele, a espanhola Pilar, espera-o no limiar. Com a habitual expressão de desaprovação e raiva.
E também hoje, quando o marido, coitado, tenta dar-lhe um beijinho para a saudar, Pilar começa a gritar e a queixar-se. Uma verdadeira avalancha de lamentos e acusações inflexivelmente em língua castelhana: quando é que o Zé vai acabar com esses atrasos?, e o que é que ele pensa?, que talvez ela não saiba que seu marido todos os dias se perde pelas vielas de Lanzarote a ler e a corrigir aqueles rabiscos nas folhas?, e o que é que está a escrevinhar agora?, sempre aquela doidice do convento?, em vez de procurar um trabalho com mais dinheiro!, talvez que na Suécia estejam a esperar o senhor Zé Saramago, um simples secretário de pedreira, para lhe conferir o Nobel à literatura?...
«Não, não Pilar — acalma-te», responde Zé à sua mulher, cabisbaixinho. E logo, com apenas um fio de voz: «Nesta altura estou a escrever uma tragédia histórica… Acho que a vou intitular Frei Luís de Sousa — gostas?...».
Àquelas palavras Pilar fica enfurecida. Lança-se sobre o marido como uma gata selvagem:
«¡Maldito que tú eres! ¡Nunca me debes hablar en dialecto, lo sabes! ¡Nunca!...»
STEFANO VALENTE
STEFANO VALENTE
Nessun commento:
Posta un commento