Estudar o Imperativo e descrever a própria cidade... Eis o repto lançado aos alunos de Português, a que Ferena Carotenuto respondeu com este belíssimo texto, em forma de carta à grande violinista Anne-Sophie Mutter, que aqui publicamos - e muito agradecemos!
Senhora Anne-Sophie Mutter
Violino solista
Orquestra Sinfónica de Berlim
Cara Sra. Mutter,
Respondo agora ao Seu pedido da semana passada: a Senhora queria algumas indicações para passar os seus dias de férias em Roma, depois do concerto que vai fazer no dia 21 de Abril no Auditorium, em ocasião do aniversário da fundação de Roma.
Roma pode-se conhecer de vários modos; eu queria aconselhar-lhe um tipo de conhecimento relacionado com os cinco sentidos, sendo a senhora, como todos os artistas, uma pessoa sensível e original.
Então, vou oferecer-lhe algumas sugestões para que a Sua permanência na minha cidade seja inesquecível. As minhas sugestões não vão ser convencionais, como aquelas que a senhora pode ler num qualquer livro para turistas.
Começo com o que a senhora pode relacionar com a vista: não veja sempre as mesmas coisas! Visite primeiro a Galeria Nacional de Arte Moderna, para compreender o nascimento da minha nação como estado unitário: observe as obras artísticas do fim do século XIX, que narram um país ainda subdesenvolvido, um país de campos, pauis, montanhas, aldeias isoladas, de lugares ainda selvagens; um país de doenças endémicas, de injustiças sociais e de desespero, um país de pobres emigrantes. Entenda como o meu país pagou a sua unificação com o estrago das classes sociais mais débeis. Suba depois ao segundo andar, e admire as obras dos famosos futuristas italianos, ligando este período artístico ao desenvolvimento económico e industrial de Itália. Depois, para concluir a conhecimento da época moderna, vá num carro conhecer a cidade longe do centro, posicionada nos lugares periféricos ao Norte e ao Sul, como nos bairros de EUR e do Estádio Olímpico, e contemple uma cidade planeada ao longo dos anos Trinta do século passado, injustamente descuidada pela maioria das guias turísticas. Falo do estilo arquitectónico nomeado “razionalismo”, um estilo único na tradição artística da arquitectura italiana, um estilo revolucionário na sua total ausência de elementos decorativos clássicos, um estilo simples, mas elegante; um estilo realizável com materiais locais, num período histórico de isolamento político e económico do país: observe a utilização da pedra típica de Roma, o travertino, o uso do vidro com o ferro ou o bordo, a presença do betão armado nas estruturas internas dos edifícios. Note os arcos e as linhas rectas, as formas rectangulares construídas com a secção áurea, imitando os Romanos antigos. Tudo dá uma impressão de ordem, lógica, e de coerência: elementos ideológicos dum regime ditatorial que marcou de maneira notável a história recente do meu país. Porém isso não tem de diminuir o valor estético da criatividade dos arquitectos italianos da época: um juízo político do estilo racionalista não tem sentido.
Continuo com o segundo sentido, o gosto. Não esqueça começar o seu dia com um típico pequeno-almoço romano: beba um galão escuro (cappuccino) e coma esse bolo com nata que não sempre se pode comer nos cafés ou nas pastelarias locais, nomeado “maritozzo con la panna”; porém há uma boa pastelaria não longe do seu hotel, na rua Ludovisi, onde pode conseguir isso. Um almoço típico inclui sempre esparguete al dente, uma comida pobre, económica mas nutriente. O esparguete é servido com vários molhos, os mais famosos com ovos, queijo de ovelha, toucinho fumado frito, e muita pimenta preta (alla carbonara, ou do carvoeiro), ou com tomate, cebola, toucinho fumado frito, adubado com queijo de ovelha (esqueça então o parmesão uma vez em Roma!). Depois de um prato assim rico, prove os legumes típicos dos campos romanos: uma alcachofra inteira frita no azeite, crocante e saborosa! Tome mais tarde uma óptima bica na Galeria Alberto Sordi no centro, e prossiga esta viajem gastronómica: goze um gelado perto da Galeria Alberto Sordi, na pastelaria que se chama Giolitti. Agora falta só o jantar, e aconselho-a a ir ao bairro de Trastevere para que comer uma boa pizza romana, mas antes da pizza, prove as típicas frituras vegetais ou os famosíssimos croquetes de arroz com mozzarella. Não esqueça os vinhos locais: prefira sempre os vinhos brancos, muito mais delicados e com aromas de frutas e flores; o único vinho tinto que eu posso aconselhar-lhe seria o Shiraz, que tem também um gosto de flores e fruta, porém não se encontra facilmente nos restaurantes.
Prossigo com o terceiro e o quarto sentido, o olfacto e o tacto. Parece incrível, mas asseguro que em Roma há também perfumes deliciosos! Estando em Roma pelo fim de Abril, a Senhora vai encontrar todas as escadas da Praça de Espanha cheias de flores magníficas, de cores estupendas, com todas as possíveis variações cromáticas entre branco, cor-de-rosa, púrpura, fúcsia, vermelho… São flores grandes, suaves, fracas, finas e sedosas, são azáleas! Suba as escadas e toque as flores com as mãos, ou melhor, acaricie-as com o rosto, vai ser uma sensação dulcíssima! Esta experiência sensorial pode continuar ainda depois, quando visitar o jardim das rosas no Aventino. Aí os perfumes das rosas vão ser verdadeiramente inebriantes, com as cores inumeráveis das flores, de tantos e vários tamanhos e formas! E a suavidade das pétalas, como seda ou veludo. Mergulhe a sua cara nas rosas, mas cuidado com as abelhas! Elas também gostam das rosas. Mas o perfume mais doce do que todos é outro. Você sabe que em muitos dialectos italianos a palavra “laranja doce” se diz “Portugal?” Infelizmente, as flores de laranja doce não existem em Roma. Porém, temos outras flores de laranja, de aquelas amargas. Elas utilizam-se para que fazer perfumes. E o jardim de laranjeiras mais famoso da cidade não está longe do jardim de rosas: caminhe ainda poucos metros em cima da colina e vai estar ao lado da igreja de Santa Sabina. Procure ir ao pôr-do-sol, quando o perfume é mais intenso: feche os seus olhos e aspire a ar: vai parecer estar no paraíso!
Concluo com o último, mas não menos importante dos cinco sentidos: o ouvido. A senhora vai tocar no dia 21 de Abril o meu concerto preferido para violino e orquestra, o número 1 opera 35 por Tchaikowsky, e eu nunca poderei agradecer-lhe bastante para isto! Mas queria tentar algumas sugestões à mesma: três tipos de músicas romanas diferentes: uma música trágica, uma celestial e uma muito alegre. A primeira é uma ópera celebérrima de Puccini, inteiramente baseada em Roma nos tempos do domínio papal, uma história de amor infeliz: Você seguramente já sabe do que eu estou a falar: de “Tosca”! É ainda muito bela a interpretação da Maria Callas e Giuseppe di Stefano, e, sem sair da sua própria casa, ouça um CD, identifique-se com a Floria Tosca, e reviva a atmosfera lúgubre no Palácio Farnese e a morte da pobre mulher no Castel Sant’Angelo. Uma vez em Roma, não esqueça ver o Palácio Farnese, a igreja de Santo André della Valle, o Castelo de Sant’Angelo! A segunda música cantava-se exclusivamente dentro da Capela Sistina. Trata-se do Miserere por Gregório Allegri, uma composição a cappella para nove vozes masculinas divididas em dois coros: um de cinco e o outro de quatro. Era uma música tão especial, que ninguém a podia cantar fora da Capela Sistina mesma, sob pena de excomunhão. Creio que conhece muito bem esta história! Não acha que essa música é divina? A última música vai ser uma ópera ligeira ou comédia musical muito amada em Roma, o “Rugantino”. Não obstante um final trágico (Rugantino morre em cima da forca), a ópera mescla os dois elementos da índole romana, a comicidade ou a ironia, junto à melancolia. Especialmente as canções alegres e a famosíssima canção romântica “Roma non fa’ la stupida stasera” fazem parte do nosso imaginário colectivo de Romanos.
Então, espero que possa assim apreciar e conhecer também essas partes mais “sensuais” da cidade!
Com os melhores cumprimentos
Ferena Carotenuto
Guia Turística
Violino solista
Orquestra Sinfónica de Berlim
Cara Sra. Mutter,
Respondo agora ao Seu pedido da semana passada: a Senhora queria algumas indicações para passar os seus dias de férias em Roma, depois do concerto que vai fazer no dia 21 de Abril no Auditorium, em ocasião do aniversário da fundação de Roma.
Roma pode-se conhecer de vários modos; eu queria aconselhar-lhe um tipo de conhecimento relacionado com os cinco sentidos, sendo a senhora, como todos os artistas, uma pessoa sensível e original.
Então, vou oferecer-lhe algumas sugestões para que a Sua permanência na minha cidade seja inesquecível. As minhas sugestões não vão ser convencionais, como aquelas que a senhora pode ler num qualquer livro para turistas.
Começo com o que a senhora pode relacionar com a vista: não veja sempre as mesmas coisas! Visite primeiro a Galeria Nacional de Arte Moderna, para compreender o nascimento da minha nação como estado unitário: observe as obras artísticas do fim do século XIX, que narram um país ainda subdesenvolvido, um país de campos, pauis, montanhas, aldeias isoladas, de lugares ainda selvagens; um país de doenças endémicas, de injustiças sociais e de desespero, um país de pobres emigrantes. Entenda como o meu país pagou a sua unificação com o estrago das classes sociais mais débeis. Suba depois ao segundo andar, e admire as obras dos famosos futuristas italianos, ligando este período artístico ao desenvolvimento económico e industrial de Itália. Depois, para concluir a conhecimento da época moderna, vá num carro conhecer a cidade longe do centro, posicionada nos lugares periféricos ao Norte e ao Sul, como nos bairros de EUR e do Estádio Olímpico, e contemple uma cidade planeada ao longo dos anos Trinta do século passado, injustamente descuidada pela maioria das guias turísticas. Falo do estilo arquitectónico nomeado “razionalismo”, um estilo único na tradição artística da arquitectura italiana, um estilo revolucionário na sua total ausência de elementos decorativos clássicos, um estilo simples, mas elegante; um estilo realizável com materiais locais, num período histórico de isolamento político e económico do país: observe a utilização da pedra típica de Roma, o travertino, o uso do vidro com o ferro ou o bordo, a presença do betão armado nas estruturas internas dos edifícios. Note os arcos e as linhas rectas, as formas rectangulares construídas com a secção áurea, imitando os Romanos antigos. Tudo dá uma impressão de ordem, lógica, e de coerência: elementos ideológicos dum regime ditatorial que marcou de maneira notável a história recente do meu país. Porém isso não tem de diminuir o valor estético da criatividade dos arquitectos italianos da época: um juízo político do estilo racionalista não tem sentido.
Continuo com o segundo sentido, o gosto. Não esqueça começar o seu dia com um típico pequeno-almoço romano: beba um galão escuro (cappuccino) e coma esse bolo com nata que não sempre se pode comer nos cafés ou nas pastelarias locais, nomeado “maritozzo con la panna”; porém há uma boa pastelaria não longe do seu hotel, na rua Ludovisi, onde pode conseguir isso. Um almoço típico inclui sempre esparguete al dente, uma comida pobre, económica mas nutriente. O esparguete é servido com vários molhos, os mais famosos com ovos, queijo de ovelha, toucinho fumado frito, e muita pimenta preta (alla carbonara, ou do carvoeiro), ou com tomate, cebola, toucinho fumado frito, adubado com queijo de ovelha (esqueça então o parmesão uma vez em Roma!). Depois de um prato assim rico, prove os legumes típicos dos campos romanos: uma alcachofra inteira frita no azeite, crocante e saborosa! Tome mais tarde uma óptima bica na Galeria Alberto Sordi no centro, e prossiga esta viajem gastronómica: goze um gelado perto da Galeria Alberto Sordi, na pastelaria que se chama Giolitti. Agora falta só o jantar, e aconselho-a a ir ao bairro de Trastevere para que comer uma boa pizza romana, mas antes da pizza, prove as típicas frituras vegetais ou os famosíssimos croquetes de arroz com mozzarella. Não esqueça os vinhos locais: prefira sempre os vinhos brancos, muito mais delicados e com aromas de frutas e flores; o único vinho tinto que eu posso aconselhar-lhe seria o Shiraz, que tem também um gosto de flores e fruta, porém não se encontra facilmente nos restaurantes.
Prossigo com o terceiro e o quarto sentido, o olfacto e o tacto. Parece incrível, mas asseguro que em Roma há também perfumes deliciosos! Estando em Roma pelo fim de Abril, a Senhora vai encontrar todas as escadas da Praça de Espanha cheias de flores magníficas, de cores estupendas, com todas as possíveis variações cromáticas entre branco, cor-de-rosa, púrpura, fúcsia, vermelho… São flores grandes, suaves, fracas, finas e sedosas, são azáleas! Suba as escadas e toque as flores com as mãos, ou melhor, acaricie-as com o rosto, vai ser uma sensação dulcíssima! Esta experiência sensorial pode continuar ainda depois, quando visitar o jardim das rosas no Aventino. Aí os perfumes das rosas vão ser verdadeiramente inebriantes, com as cores inumeráveis das flores, de tantos e vários tamanhos e formas! E a suavidade das pétalas, como seda ou veludo. Mergulhe a sua cara nas rosas, mas cuidado com as abelhas! Elas também gostam das rosas. Mas o perfume mais doce do que todos é outro. Você sabe que em muitos dialectos italianos a palavra “laranja doce” se diz “Portugal?” Infelizmente, as flores de laranja doce não existem em Roma. Porém, temos outras flores de laranja, de aquelas amargas. Elas utilizam-se para que fazer perfumes. E o jardim de laranjeiras mais famoso da cidade não está longe do jardim de rosas: caminhe ainda poucos metros em cima da colina e vai estar ao lado da igreja de Santa Sabina. Procure ir ao pôr-do-sol, quando o perfume é mais intenso: feche os seus olhos e aspire a ar: vai parecer estar no paraíso!
Concluo com o último, mas não menos importante dos cinco sentidos: o ouvido. A senhora vai tocar no dia 21 de Abril o meu concerto preferido para violino e orquestra, o número 1 opera 35 por Tchaikowsky, e eu nunca poderei agradecer-lhe bastante para isto! Mas queria tentar algumas sugestões à mesma: três tipos de músicas romanas diferentes: uma música trágica, uma celestial e uma muito alegre. A primeira é uma ópera celebérrima de Puccini, inteiramente baseada em Roma nos tempos do domínio papal, uma história de amor infeliz: Você seguramente já sabe do que eu estou a falar: de “Tosca”! É ainda muito bela a interpretação da Maria Callas e Giuseppe di Stefano, e, sem sair da sua própria casa, ouça um CD, identifique-se com a Floria Tosca, e reviva a atmosfera lúgubre no Palácio Farnese e a morte da pobre mulher no Castel Sant’Angelo. Uma vez em Roma, não esqueça ver o Palácio Farnese, a igreja de Santo André della Valle, o Castelo de Sant’Angelo! A segunda música cantava-se exclusivamente dentro da Capela Sistina. Trata-se do Miserere por Gregório Allegri, uma composição a cappella para nove vozes masculinas divididas em dois coros: um de cinco e o outro de quatro. Era uma música tão especial, que ninguém a podia cantar fora da Capela Sistina mesma, sob pena de excomunhão. Creio que conhece muito bem esta história! Não acha que essa música é divina? A última música vai ser uma ópera ligeira ou comédia musical muito amada em Roma, o “Rugantino”. Não obstante um final trágico (Rugantino morre em cima da forca), a ópera mescla os dois elementos da índole romana, a comicidade ou a ironia, junto à melancolia. Especialmente as canções alegres e a famosíssima canção romântica “Roma non fa’ la stupida stasera” fazem parte do nosso imaginário colectivo de Romanos.
Então, espero que possa assim apreciar e conhecer também essas partes mais “sensuais” da cidade!
Com os melhores cumprimentos
Ferena Carotenuto
Guia Turística
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