lunedì 25 gennaio 2016

« - Ó mãe, eu já sei tudo!»


Reminiscência de Fernanda de Castro, in Trinta e nove poemas (1941)

 
« - ...Lisboa, Santarém, Porto, Leiria...»

(eu sabia de cor toda a corografia)

O senhor inspetor

deu-me a nota mais alta em geografia

e disse gravemente:

« - Continua. Hás de ser gente...»

 

 

« - … Ângulo reto, agudo,

cateto, hipotenusa...»

(Já manchara de giz a minha blusa

mas respondia a tudo

e a professora sorria

enquanto eu papagueava a geometria)

 

 

« - ... D. Sancho, o Povoador,

D. Dinis, o Lavrador...

(Tinha então boa memória,

sabia as datas da história...)

« - …   1380

1640

1143

em Arcos de Valdevez...»

« - Muito bem, a pequena é simpática,

 

 

Vamos lá à gramática.»

« - ...E, nem, não só, mas também...

conjunções copulativas»

(Eu pensava na alegria

que ia dar a minha mãe,

nas frases admirativas

da velha D. Maria,

a minha primeira mestra:

«- Tão novinha e ficou "bem"!»

E esta suavíssima orquestra

acompanhava, em surdina,

o meu primeiro exame de menina

aplicada, orgulhosa e inteligente...)

 

«- Vá ao quadro, menina!» Docilmente

fiz os problemas, dividi frações,

disse as regras das quatro operações

e finalmente

O senhor inspetor felicitou-me,

quis saber o meu nome

e declarou-me

que ficara "distinta" sem favor.

 

 

Ah! que esplendor!

Que alegria total e sem mistura,

que orgulho, que vaidade!

Olhei de frente o sol e a claridade

não me cegou.

As estrelas, fitei-as como iguais.

Melhor: como rivais,

e a Humanidade

pareceu-me um rebanho sem vontade,

uma vasta colónia de formigas...

(As minhas pobres, tímidas amigas!)

 


Pouco depois, em casa,

a testa em fogo, o olhar em brasa,

gritei num desafio

à Terra, ao Céu, ao Mar, ao Rio:

« - Ó mãe, eu já sei tudo!»

 

No seu olhar tranquilo, de veludo,

no seu olhar profundo,

que era todo o meu mundo,

passou uma ironia tão velada,

uma ironia

tão funda, tão calada,

que ainda hoje murmuro, cada dia:

« - Ó mãe, eu não sei nada!»

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