Agradecemos à nossa aluna de nível avançado, Ferena Carotenuto, já outras vezes colaboradora deste blog, o belo texto dedicado à figura de Anna Magnani, no seguimento de um encontro em classe dos nossos alunos com Giuliano Falzone, a 14 de Outubro passado.
Numa aula dedicada ao tema "o mito", Giuliano Falzone, autor de La signora Magnani (Edilazio 2001) e Magnani «the Magnificent» (Edizioni Interculturali Uno, 203) falou aos nossos estudantes da magnífica Magnani - fazendo-se depois o paralelo com Laura Alves.
Aqui fica o texto da Ferena a quem muito agradecemos.
Nannarella
Tenho dois elementos na minha vida relacionados com Anna Magnani, com “Nannarella”, como a chamamos nós romanos.
“Nannarella” é com certeza um nome - talvez “Aninhas” em português - cheio de ternura, afeição e familiaridade, come se ela fosse uma pessoa das nossas famílias, à qual se fala com sinceridade mas também com muito respeito.
Como romana, acho que ela, com Alberto Sordi, encara a cidade de Roma e a sua gente. Pasolini, no seu filme Mamma Roma, parece que teve a mesma opinião, embora no filme Anna Magnani interpretasse uma prostituta - mas a cidade de Roma é, às vezes, simbolizada pela loba que amamenta Rómulo e Remo, e em latim a palavra lupa, “loba”, significa também prostituta. Acho que Pasolini o sabia, quando intitulou assim o seu filme. Anna Magnani, com certeza, não se sentia ofendida interpretando aquele papel, porque detestava a respeitabilidade.
Escrevo sobre ela no tempo presente indicativo, porque como o Alberto Sordi, a Anna Magnani é ainda viva nas nossas memórias.
Voltando ao início do meu relatório, eis os dois elementos que me relacionam com ela:
Elemento 1.
O dia do meu nascimento, a 12 de Abril de 1961, que foi também o dia do primeiro voo humano no espaço: o astronauta soviético Yuri Gagarin, durante o período passado na órbita terrestre, entre outras frases memoráveis, disse: “Saúdo a fraternidade dos homens, o mundo das artes e a Anna Magnani”.
Então, entre os seres humanos que ficavam ali debaixo na terra, o jovem russo podia distinguir, numa distância entre 302 e 175 km, a face intensa, trágica, expressiva, cheia de paixão, duma mulher, duma mulher italiana, duma mulher romana. Da “Nannarella”. Como podia ter visto, aquele jovem homem russo de 27 anos, imagens dela? Eu acho: nos filmes de Rossellini e Visconti.
Ainda relacionada ao espaço cósmico, a Nannarella deu o seu nome a uma cratera de 26 km de diâmetro no planeta Vénus, o astro da deusa da beleza.
Não era bonita no sentido estético da palavra, a “Nannarella”, mas tinha muita mais pessoalidade do que aquelas “bonecas de cera americanas”, como foi escrito na revista TIME, quando a Nannarella fazia filmes na América, junto ao seu ídolo Burt Lancaster (uma das últimas frases no filme Bellissima é dedicada a ele) ou a Antony Quinn.
É aquele o fascínio dela, a personalidade forte, a paixão, a emoção, a intensidade.
Elemento 2.
Ela dorme em paz no pequeno cemitério de San Felice Circeo, numa aldeia a menos de 20 km da minha casa, onde, ao longo da costa, como narra Homero, desembarcou Ulisses, e onde durante a sua viagem de vinte anos encontrou a belíssima feiticeira Circe, permanecendo com ela um ano e gerando um filho, Telégono.
E Ulisses é o mítico fundador de Lisboa...
Depois da aula, despertou-se uma lembrança na minha mente. Ainda tenho alguns velhos VHS, entre os quais o filme Bellissima. Então, revi o filme. Gostei imenso!
A Nannarella era uma mulher telúrica e vulcânica, visceral, instintiva e natural. A sua relação emotiva com menina actriz era verdadeira. O filme é excelente e acho um dos melhores dela. O director é um dos meus favoritos, e a escolha da película a preto e branco é muito elegante. Também gosto da escolha dos nomes das protagonistas que é provavelmente simbólica: a mãe, Maddalena, a pecadora (não se porta de maneira totalmente honesta com o marido, por exemplo); a filha, Maria, inocente e pura, como a Virgem.
Mas no final, apesar de tudo, a Maddalena alcança o resgate moral, recusando-se a usar a sua criança como uma boneca na grande indústria cinematográfica, descrita pelo director como uma entidade cínica e sem respeito nenhum pelos sentimentos das pessoas.
FERENA CAROTENUTO
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