Foi precisamente há 500 anos, no dia 23 de Outubro de 1508, que pela Bula De Salute Fidelim Omnium, o Papa Júlio II instituiu na Igreja e Hospital da Nação Portuguesa uma Confraria geral sob a invocação de Santo António.
Porém, este Santo António, não era o Santo António de Lisboa e de Pádua, o Confessor, sob a invocação do qual a Igreja, o Hospício e posteriormente o Instituto vieram a ser conhecidos e designados: tratava-se, sim, de Santo António Abade, em português “Santo Antão”, o eremita, homónimo do fundador do estabelecimento português em Campo Marzio – o bispo do Porto e cardeal de San Crisogono, D. Antão Martins de Chaves.
A confusão na denominação acabou por se cristalizar no patronato de Santo António, nascido na capital portuguesa, por estar naturalmente mais próximo do afecto nacional. Ela alimentou, ao longo dos tempos, acesos debates sobre a legitimidade da designação actual. Mas se hoje é impensável mudar “Santo António dos Portugueses” para “Santo Antão dos Portugueses”, é igualmente certo que esta última era a invocação original, e era ela que constava da Bula emanada pelo Papa, faz hoje 500 anos.
A bula evoca a fundação de D. Antão Martins de Chaves, os primeiros estatutos que haviam regido o Hospital e a posterior intervenção de D. Jorge da Costa, designado por autoridade apostólica protector da Casa e Igreja, dando força de lei a quanto fora determinado pelo Cardeal de Alpedrinha: ou seja, que anualmente, no dia de Santo Antão, de entre a comunidade portuguesa residente em Roma, deveriam ser eleitos 2 governadores e 12 confrades para a administração do culto e dos bens portugueses, tendo eles de cumprir ainda determinadas obrigações pias. Estava criada a Confraria.
Criada, todavia, depois da morte de D. Jorge da Costa, arcebispo de Braga e de Lisboa (Alpedrinha, Fundão, 1406 – Roma, 19 de Setembro de 1508) que chegou a Roma em 1479 e foi feito Cardeal de Santa Maria em Trastevere em 1784. Em Portugal fora conselheiro e confessor do rei D. Afonso V e mestre-capelão da sua irmã, a D. Catarina. Foi, aliás, o grande afecto que nutria pela infanta, o motivo pelo qual adoptou Santa Catarina de Alexandria como uma das suas Protectoras, acrescentado um seu altar à Igreja nacional de Portugal em Roma, representando-a também na bela capela funerária que para si mandou erigir em Santa Maria del Popolo.
Escreve sobre ele Arnaldo Pinto Cardoso: Na Cúria Romana obteve notável prestígio, demonstrando grande habilidade diplomática e uma refinada consciência dos seus direitos. O seu poder e prestígio, ligados à acumulação simultânea de mais de 200 benefícios, eram tais que nem o Papa prescindia do seu conselho nem o rei podia ignorar a sua presença em Roma. Tomou parte em três conclaves e teve grande influência na eleição de Inocêncio VIII e Júlio II, tendo estado na iminência de ser eleito, quando foi escolhido o papa Alexandre VI. Aquando da eleição de Júlio II, D. Jorge foi beijar o pé do Papa, o qual lhe terá dito: “Esta cadeira vós ma destes. Eu serei Papa no nome e vós na realidade”.
A sua memória perdurou em Roma simplesmente como o “Cardeal de Portugal”: para além da já citada capela na igreja do Popolo, anexo ao seu palácio, na Piazza de San Lorenzo in Lucina, erguia-se outrora um arco de triunfo de Domiciano, que ficou conhecido como “Arco de Portugal”; posteriormente desmantelado para a regularização da via del corso os seus painéis historiados em relevo encontram-se hoje nos Musei Capitolini e os restantes mármores foram utilizados na construção do altar-mor da igreja de Santa Agnese, na Piazza Navona.
Hoje, 500 anos depois da emissão da Bula De Salute Fidelim por Júlio II, é pois uma boa ocasião para evocar essa Confraria nacional a quem devemos a manutenção da Igreja e do Hospital durante mais de 350 anos até à fundação do Instituto Português de Santo António, em meados do século XIX, e também a notável figura de D. Jorge da Costa, de quem é indissociável. Memória de uma antiquíssima presença portuguesa na Cidade Eterna, que se mantém hoje, e com grande brilho, preparando o futuro.
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