«Gostei
imenso deste desafio do Vaticano»: Eduardo Souto de Moura assina capela
«comovente» para Bienal de Veneza
in http://www.snpcultura.org/eduardo_souto_de_moura_concebe_capela_comovente_para_bienal_veneza.html
A Bienal de Arquitetura de Veneza, que começa
hoje, conta pela primeira vez com um espaço dedicado à Santa Sé, composto por
10 capelas projetadas por arquitetos de fés e proveniências múltiplas, uma
delas concebida por Eduardo Souto de Moura.
«Gostei imenso deste desafio do Vaticano.
Primeiro, porque pôs em causa algumas convicções que tinha – ou que não tinha
–, porque as pessoas têm de fazer um projeto com convicção, e eu não sou
propriamente religioso», declarou ao "Público" um dos dois portugueses
distinguidos com o prémio Pritzker, considerado o "Nobel da
Arquitetura".
A inspiração para o conjunto de obras patentes
até 25 de novembro na ilha de S. Jorge, uma das que se situam à frente da
emblemática Praça de S. Marcos, foi a "Capela do bosque", construída
entre 1918 e 1921 no cemitério de Estocolmo por Erik Gunnar Asplund.
«O tema do programa era fazer um recinto e ter
uma mesa para um livro. Podia ser coberto ou descoberto e não havia mais
indicações. Mas eu achei que era preciso ter algum significado, alguma
simbologia e, como fui educado no cristianismo, fui buscá-la aí», explica Souto
de Moura.
A mesa, o arquiteto entendeu-a como um altar,
cubo escavado por trás para o padre colocar os pés. Um banco corre à volta do
espaço. Na parede do fundo desenha-se uma cruz, formada pela separação natural
dos blocos de pedra de Vicenza e pela incisão de um traço horizontal.
Uma das preocupações do arquiteto foi dar ao
peregrino/visitante uma sensação de espaço mais amplo do que o realmente
existente: «Para quem entra, o pavimento vai a descer até ao altar. Já as
pedras crescem a partir do seu ponto mais baixo, que é 2,26 metros, uma
referência ao homem com o braço esticado de Le Corbusier. Com esse efeito de
perspetiva, conseguimos fingir que é maior».
«Souto de Moura oferece uma obra-prima
comovente. Um recinto em blocos modulares de pedra de Vicenza, parcialmente
coberto por duas lajes monolíticas. É um lugar quente e rigoroso, austero e
familiar», escreve o jornal diário italiano "Avvenire", da Igreja
católica.
O mesmo texto fala de uma sensação de paz:
«Aqui o tempo abranda». «Este é um lugar que ajuda a pensar, a refletir»,
corrobora o arquiteto, que há 15 anos assinou um projeto para uma igreja em S.
João da Madeira, que não chegou à construção.
«A escola de arquitetura de Portugal
afirmou-se internacionalmente já várias vezes, e portanto, quando os
comissários de uma exposição de arquitetura olham para o panorama
internacional, seria uma negligência esquecer Portugal, e daí convidarem um
arquiteto português de nome internacional para estar presente», comentou o
delegado do Conselho Pontifício da Cultura, o bispo Carlos Azevedo.
Em declarações à mais recente edição da
revista "Síntese", o responsável frisa que «ter um espaço, um lugar
de referência que unifique as pessoas, porque não apela para interesses, mas
para Deus, continua a ser fundamental».
«Quando as pessoas vão a estes espaços e se
desprendem e aprendem a linguagem do contemporâneo, começam a sentir-se bem e a
sentir que esses espaços proporcionam silêncio, sair de si mesmos e
encontrarem-se com o outro. Experiências de sair de si e encontrar espaços
diferentes, mas que são tocados pela beleza e por isso são capazes de ir ao
centro da alma», salienta.
A decisão do Vaticano entrar no horizonte da
arquitetura «é o resultado de um longo itinerário. No final do séc. XIX
consumou-se o divórcio entre arte e fé, que durante séculos tinham caminhado
juntas. Uma fratura que inclusive em tempos recentes produziu edifícios
sagrados modestos, privados de espiritualidade e beleza»
O pavilhão da Santa Sé, cuja antestreia foi
uma das mais concorridas entre os espaços nacionais participantes na Bienal,
propõe «uma peregrinação não só religiosa, mas também laica e naturalista para
redescobrir a beleza, o silêncio interior, a fraternidade humana do estar
juntos em oração», assinala a página "Vatican News".
O itinerário permite também «a recuperação da
relação entre arte e fé e da osmose perfeita entre homem e ambiente», na senda
da encíclica "Laudato si'", do papa Francisco.
Andrew D. Berman (Estados Unidos), Francesco
Cellini (Itália), Javier Corvalàn Espìnola (Paraguai), Flores & Prats
(Espanha), Norman Foster (Grã-Bretanha), Terunobi Fujimori (Japão), Sean
Godsell (Austrália), Carla Juacaba (Brasil) e Smiljan Radic Clarke (Chile) são os
outros arquitetos presentes no bosque veneziano.
«As 10 capelas não são igrejas consagradas,
mas antes pontos de orientação no labirinto da vida. Em muitas, mesmo se tal
não foi pedido, surge o símbolo da cruz», afirmou o curador do projeto, o
italiano Francesco Dal Co, que também tem refletido sobre a arquitetura
portuguesa-
A decisão do Vaticano entrar no horizonte da
arquitetura «é o resultado de um longo itinerário. No final do séc. XIX
consumou-se o divórcio entre arte e fé, que durante séculos tinham caminhado
juntas. Uma fratura que inclusive em tempos recentes produziu edifícios
sagrados modestos, privados de espiritualidade e beleza», observou o presidente
do Conselho Pontifício da Cultura, cardeal Gianfranco Ravasi.
O presidente da Bienal de Veneza, Paolo
Baratta, está convicto de que após esta estreia do Vaticano na Bienal de
Arquitetura «haverá outras»: «A participação de um protagonista da história que
plasmou as nossas cidades contribui para a dilatação do nosso olhar, na procura
de soluções para os problemas».
"Freespace" é o tema da 16.ª Bienal,
«representando a generosidade e o sentido de humanidade que a arquitetura
coloca no centro da sua agenda», refere a página da mostra. O pavilhão de
Portugal apresenta 12 projetos de 29 arquitetos portugueses, reunidos sob o
título "Público sem retórica".
Edição: SNPC in http://www.snpcultura.org/eduardo_souto_de_moura_concebe_capela_comovente_para_bienal_veneza.html
Publicado em 26.05.2018
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