A propósito de uma deixa teatral do texto de Maria Velho da Costa Madame,
que na sua estreia no palco estava na boca da atriz brasileira Eva Wilma - no
papel de Capitu (a do Dom Casmurro,
de Machado de Assis) que contracenava com Eunice Muñoz / Maria Eduarda d’Os Maias - lançámos o repto à nossa
turma de nível avançado. Que see screvesse sobre o conceito “Lemos para
sabermos que não estamos sós”.
Responderam quatro vozes femininas: as nossas alunas Ferena Carotenuto, Ivana
Bartolini, Mariarita Vecchio e Radiana Nigro, com os belíssimos textos que
publicamos em seguida e a quem muito agradecemos pelo interesse e pela
qualidade dos seus trabalhos.
Companheiros duma viagem infinita
“É um raro emocionante prazer encontrar um velho livro vestido à moda do
seu tempo” (Emily Dickinson)
Com certeza vamos continuar a ler livros de papel, porém devemos começar a
percorrer novos caminhos aprendendo novas formas de leitura. De todo o modo, a
coisa mais importante é o que um livro -
de papel ou electrónico - contém.
Os livros excitam o pensamento, satisfazem a curiosidade intelectual, são
uma terra imensa e viva de tinta em que nós
encontramos caminhos sempre
novos. Aliás, pelos livros, cada leitor
tece uma trama de relações com outros homens, sentimentos, experiências,
sonhos.
Outrora as pessoas mais velhas eram a “memória da espécie” porque contavam
aos jovens o que acontecera no passado de maneira que um jovem pudesse acumular
as experiências dos homens que tinham vivido antes dele. Hoje os nossos velhos
são os livros porque permitem nós vivermos, com a nossa, inumeráveis outras
vidas, muitas das quais já vivemos: fomos atormentados pelo nosso amor mas
também por aquele de Romeo e Giulietta, cheirámos o odor repugnante dos esgotos de Paris junto
a Jean Valjean, trememos de frio , na
tempestade de neve, junto a Zivago abrimos o coração no mar, no silêncio da
noite sob um céu cintilante de estrelas, esperando por Moby Dick…
Além disso, o livro, pelo facto de ser um instrumento de transmissão das
ideias e da memória foi vítima do fanatismo e da censura. Milhares de livros
foram destruídos pela intolerância política e religiosa. A simples ideia que
quase cada livro contém – a existência de um Outro ou de um Além talvez
imaginados melhores – enfraquece fidelidades e obediências dogmáticas. Ler é um
gesto que faz discutir o presente, aproxima outros homens, outras épocas,
também afastadas e inimigas, é o nexo “ com o diabólico espírito do passado “
chamava-o Goebbles.
Poderia ser interessante conhecer as motivações das pessoas que em Qumram,
perto do Mar Morto, em Mogao, no deserto do Gobi, em Florença, no ano 1966, semelhantes
aos “Homens-Livros” de Bradbury salvaram
qualquer coisa: um papiro, uma pequena tábua, um manuscrito, uma memória. Estas
pessoas conservaram, esconderam, guardaram a delicada e vulnerável fé no futuro
que ao longo de milhares de anos – uma viagem infinita – nós homens entregamos
aos livros.
MARIARITA VECCHIO
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