Agradecemos à nossa
aluna e amiga RADIANA NIGRO o lindo e comovente texto sobre o seu Pai e a
fotografia que o ilustra poeticamente... Boa leitura!
O meu Pai
Sempre gostou de
café e oferecia sempre um cafezinho a todos aqueles que encontrava. A este propósito
lembro-me de um episódio muito terno.
Depois do seu
falecimento, fui um dia ao sapateiro para levantar um par de sapatos da minha
Mãe (o que, até àquele momento, era uma coisa feita pelo meu pai). Quando
pronunciei o meu apelido, o sapateiro diz-me, sem me olhar: «Há muito tempo que
não vejo o professor». Quando eu lhe
respondi que, infelizmente, o meu pai tinha falecido, o velhote levantou o
olhar da bancada onde trabalhava e, com os olhos húmidos, acrescentou:
«Oferecia-me sempre um cafezinho aqui ao lado».
Entregou-me então
os sapatos e não aceitou nem um euro: «É um presente pelo seu bom Pai». Naturalmente, saí
da sapataria tomada por uma grande comoção e só quando contei o facto à minha
Mãe e à minha Irmã é que percebi o que eu deveria ter feito: oferecer um
cafezinho ao sapateiro. Evidentemente não
tenho a docura inata do meu Pai...
Além de generoso e
bonito (parecia-se com alguns atores da época: Amedeo Nazzari, Gabriele
Ferzetti...) era também um homem muito à frente do seu tempo e da sua origem.
Era calabrês e dez
anos mais velho que a minha Mãe, portanto, segundo os preceitos, deveria ser
conservador e rígido, em especial no que respeitava a educação de nós, as suas
três filhas. Pelo contrário, tinha uma mentalidade muito aberta e a única coisa
que sempe nos pediu era para estudar, para fazer uma licenciatura e encontrar
um trabalho que nos permitisse “uma verdadeira independência dos homens” (a
citação é textual).
Tinha origem
camponesa. Os meus Avós eram pequenos proprietários agrícolas, quase
analfabetos.
Quando o meu Avô emigrou para o estrangeiro, primeiro para a
América e depois para a Argentina, à procura de uma maior qualidade de vida,
para permitir aos filhos estudarem (o que ele, infelizmento, não tinha podido
fazer), a minha Avozinha ficou na Calábria com os ses quatro filhos, dois
rapazes e duas raparigas.
Porém, a vida não é sempre aquela que desejamos: a
explosão da primeira Guerra mundial surpreendeu o meu Avô em Itália, onde tinha
vindo para regressar à Argentina com a família; não só ele mesmo não pôde
regressar, como também nunca conseguiu recuperar o dinheiro que tinha ganho e
poupado e que ficou no estrangeiro. Toda a família recomeçou então a trabalhar nos
campos, incluindo os filhos que tinham de ajudar os pais, devendo assimd eixar
os estudos. Parece um romance de Dickens, mas é verdade!
Porém, é como um
verdadeiro romance popular que vai concluir com final feliz...
Passaram anos, e à
aldeia regressou a senhora que tinha sido professora primária do meu Pai.
Sabendo que se encontravam ainda ali, foi imediatamente a casa dos meus Avós,
para manifestar a sua pena ao saber que o Francesco (era este o nome do meu
Pai), que era “tão inteligente”, tinha abandonado os estudos. Visto que, como
já disse, também para os meus Avós a cultura era um valor fundamental – foi esta
a herança que nos deixaram – a mestra convenceu-os a autorizá-la a dar aulas ao
Francesco para o preparar diretamente para os exames finais do ensino
secundário.
E foi assim que o meu Pai, depois de poucos meses de estudo (o que
demonstra a sua grande inteligência), conseguiu obter o diploma magistral e em
breve mudou para a cidade, para frequentar a Faculdade de Línguas Estrangeiras
da Universidade de Nápoles – onde conheceu a minha Mãe, que estudava Ciências
Naturais.
Lembro-me que, mais
de uma vez, quando os meus Pais discutiam, a primeira acusação que a minha Mãe
lhe fazia era “tu, que só estudaste alguns meses” ou “tu, que não fizeste os Estudos
Clássicos!”...
Quero concluir
dizendo que sou bastante parecida com o meu Pai – ainda que ele fosse melhor do
que eu em todos os sentidos – e que tenho grande, imenso orgulho nesta
semelhança.
RADIANA NIGRO