No seguimento da pequena notícia publicada anteriormente neste blog
aqui fica o texto integral do Dr. Duarte Pinheiro sobre o livro "O Fim de Lizzie e Outras Histórias" de Ana Teresa Pereira (Relógio D'Água).
O Fim de Lizzie e Outras Histórias – Ana Teresa Pereira – Relógio D’Água
“Para escrever precisamos não só de uma certa dose de esperança mas de um certo grau de felicidade. Não há finais felizes, mas há viagens felizes.” (p. 199) e Ana Teresa Pereira consegue ser, uma vez mais, feliz. Com o presente livro a autora comemora vinte anos de carreira literária e mantém-se nele fiel às histórias, ao estilo, à escrita, às personagens que sempre gostou de criar. O Fim de Lizzie e Outras Histórias é uma trilogia que se inicia com “Numa manhã fria”, um dos melhores contos da escritora funchalense já publicado em Histórias Policiais. A história de uma herança, uma casa, Wistaria Hall, quatro personagens, Kevin, John, Lizzie e Miranda, e sete cruéis e longos anos de espera. A segunda narrativa, O Fim de Lizzie, um conto também já anteriormente publicado num livro homónimo, constitui uma outra versão da mesma história. Deparamo-nos com o mesmo cenário, a mesma atmosfera densa que envolve Wistaria Hall e as mesmas personagens; apenas a forma como estas criam e (se) matam é diferente. A terceira e última história é, para um leitor atento de Ana Teresa Pereira, a verdadeira novidade deste livro e intitula-se O Sonho do Unicórnio, um conto.
O Sonho do Unicórnio podia muito bem ser considerada uma outra versão da mesma história, ou talvez, a original. As histórias desta escritora são rascunhos que anunciam algo que está para lá do entendimento, de uma realidade escondida nas trevas. E nesse sentido O Sonho do Unicórnio é somente uma leitura do filme Blade Runner, de Ridley Scott - “Se me lembro de que sonhei com um unicórnio, é porque sou real.” (p.203) afirma Kevin para se certificar de que existe, o sonho como forma de existência, à semelhança do que a memória o é para os andróides do filme. E, por vezes, a irrealidade tem mais força do que a própria realidade, ela que acaba por ser a única realidade possível para as personagens pereirianas. Mas em O Sonho do Unicórnio há, ao contrário das outras narrativas, algo de acabado: a noção de inteireza. E o posfácio (O Mar das Flores) de Fernando Guerreiro é elucidativo disso. Kevin parece estar só, talvez tenha estado sempre sozinho com os seus fantasmas (talvez nem exista), naquele que é um tratado sobre a escrita e a condição humana que lhe é inerente, a solidão. Rilke teorizava que “O essencial é acima de tudo isto: a grande e íntima solidão. Apropriarmo-nos de nós e durante horas não encontrar ninguém – é isso que devemos alcançar. Ser só, da forma como fomos em criança” e neste livro de Ana Teresa Pereira, no qual mitologia e infância se fundem, “como a primeira noite da criação, ainda com reminiscências do caos.” (p. 143), tais palavras nunca fizeram tanto sentido. Cabe então ao leitor acompanhar solitariamente Kevin pelos corredores de Wistaria Hall e levantar um pouco mais o véu no desvelamento do universo narrativo pereiriano. Um to be continued no final de O Sonho do Unicórnio alerta o leitor, porém, de que esta poderá ser apenas mais uma paragem numa viagem eterna, um mergulho no infantil mundo dos sonhos e pesadelos de Ana Teresa Pereira.
Duarte Pinheiro
“Para escrever precisamos não só de uma certa dose de esperança mas de um certo grau de felicidade. Não há finais felizes, mas há viagens felizes.” (p. 199) e Ana Teresa Pereira consegue ser, uma vez mais, feliz. Com o presente livro a autora comemora vinte anos de carreira literária e mantém-se nele fiel às histórias, ao estilo, à escrita, às personagens que sempre gostou de criar. O Fim de Lizzie e Outras Histórias é uma trilogia que se inicia com “Numa manhã fria”, um dos melhores contos da escritora funchalense já publicado em Histórias Policiais. A história de uma herança, uma casa, Wistaria Hall, quatro personagens, Kevin, John, Lizzie e Miranda, e sete cruéis e longos anos de espera. A segunda narrativa, O Fim de Lizzie, um conto também já anteriormente publicado num livro homónimo, constitui uma outra versão da mesma história. Deparamo-nos com o mesmo cenário, a mesma atmosfera densa que envolve Wistaria Hall e as mesmas personagens; apenas a forma como estas criam e (se) matam é diferente. A terceira e última história é, para um leitor atento de Ana Teresa Pereira, a verdadeira novidade deste livro e intitula-se O Sonho do Unicórnio, um conto.
O Sonho do Unicórnio podia muito bem ser considerada uma outra versão da mesma história, ou talvez, a original. As histórias desta escritora são rascunhos que anunciam algo que está para lá do entendimento, de uma realidade escondida nas trevas. E nesse sentido O Sonho do Unicórnio é somente uma leitura do filme Blade Runner, de Ridley Scott - “Se me lembro de que sonhei com um unicórnio, é porque sou real.” (p.203) afirma Kevin para se certificar de que existe, o sonho como forma de existência, à semelhança do que a memória o é para os andróides do filme. E, por vezes, a irrealidade tem mais força do que a própria realidade, ela que acaba por ser a única realidade possível para as personagens pereirianas. Mas em O Sonho do Unicórnio há, ao contrário das outras narrativas, algo de acabado: a noção de inteireza. E o posfácio (O Mar das Flores) de Fernando Guerreiro é elucidativo disso. Kevin parece estar só, talvez tenha estado sempre sozinho com os seus fantasmas (talvez nem exista), naquele que é um tratado sobre a escrita e a condição humana que lhe é inerente, a solidão. Rilke teorizava que “O essencial é acima de tudo isto: a grande e íntima solidão. Apropriarmo-nos de nós e durante horas não encontrar ninguém – é isso que devemos alcançar. Ser só, da forma como fomos em criança” e neste livro de Ana Teresa Pereira, no qual mitologia e infância se fundem, “como a primeira noite da criação, ainda com reminiscências do caos.” (p. 143), tais palavras nunca fizeram tanto sentido. Cabe então ao leitor acompanhar solitariamente Kevin pelos corredores de Wistaria Hall e levantar um pouco mais o véu no desvelamento do universo narrativo pereiriano. Um to be continued no final de O Sonho do Unicórnio alerta o leitor, porém, de que esta poderá ser apenas mais uma paragem numa viagem eterna, um mergulho no infantil mundo dos sonhos e pesadelos de Ana Teresa Pereira.
Duarte Pinheiro
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