Quem tem arte contemporânea também vai a Roma
Por Sérgio C. Andrade, em Roma
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Albuquerque Mendes e João Louro inauguraram novas exposições neste fim-de-semana marcado pela atenção à arte contemporânea na capital italiana. Mendes faz o “makinf of” da Criação do Mundo num templo barroco; Louro projecta em espelhos negros a dimensão mais obscura da condição humana.
Quem tem arte, vai a Roma. Parafraseando o ditado que identifica a capital italiana como o centro do mundo cristão, os artistas contemporâneos portugueses estão a apostar cada vez mais em explorar as novas possibilidades de afirmação do seu trabalho na Cidade Eterna.
Albuquerque Mendes (n. Trancoso, 1953) e João Louro (n. Lisboa, 1963) são os portugueses de quem se fala, por estes dias, nos meios artísticos romanos, que vive a rara circunstância da concentração de três grandes acontecimentos de enorme projecção mediática – as inaugurações do novo Museo Nazionale delle Arti del XXI Secolo (Maxxi), de Zaha Hadid, e da ampliação do Museu de Arte Contemporânea de Roma (Macro), bem como a realização da Feira Internacional de Arte Contemporânea, que termina domingo.
“Acabamos todos por ganhar um protagonismo e por aproveitar da dinâmica provocada por todas estas operações”, disse anteontem (quinta-feira) ao PÚBLICO João Louro, que teve direito a uma sala própria no edifício mais antigo do Macro, cuja nova ala foi projectada pela arquitecta francesa Odile Decq.Espaço mais reservado mas território familiar ao artista é o que serve de cenário à instalação de Albuquerque Mendes, inaugurada ao final da tarde de ontem (sexta-feira) na Igreja de Santo António dos Portugueses, bem no centro da cidade.“Making of/ A Criação” é o título da intervenção do arquitecto beirão neste belíssimo e profusamente decorado templo barroco do século XVI. Entra-se e, num discreto “retábulo” à esquerda, sete caixões-confessionários em pinho tosco convidam o visitante a abrir a porta e entrar (uma pessoa de cada vez). Lá dentro, em seis deles, uma pequena lanterna ajuda a decifrar uma tela pequena e redonda simbolizando os dias da criação do mundo, sempre com a natureza em fundo. O sétimo caixote – que, curiosamente, está no centro dos outros e não no fim: “é a minha forma de respeitar a lógica barroca da simetria”, justifica o artista – tem apenas um ponto de luz. Para que o visitante descanse e pense, como deus fez, segundo o Livro do Genesis.
O que é que levou Albuquerque Mendes a aceitar o desafio de expor num lugar, e numa cidade, tão pesados de iconografia e significado sobre o tema? Uma certa ousadia? O artista ri-se e diz não ter pensado nisso. “Quando me convidam para fazer uma coisa, faço, sem teorizar muito sobre o processo. Sou sempre muito intuitivo no modo como abordo o trabalho. Depois vou em frente e logo vejo”.
Monsenhor Agostinho Borges, responsável pela igreja e pelo Instituto Português de Santo António em Roma (IPSAR), gostou de ver este diálogo de “um homem de fé, como o é Albuquerque Mendes, com a poesia do Livro do Genesis”. “Indo ao tema da Criação, o artista vai de encontro à natureza modulada por deus, que é tema inspirador” de muita criação artística, acrescenta.
Albuquerque Mendes mostrava-se agradado com a primeira recepção à sua obra, no final da inauguração. Notou que “as pessoas entenderam” que não teria outra forma de “desafiar” a profusão da decoração barroca do templo português em Roma.
No mesmo dia de abertura de “A Criação”, na galeria do IPSAR, junto à igreja, encerrava uma exposição de arte minimal sobre o universo de Fernando Pessoa com obras de Andrea Nicodemo e curadoria de Gianluca Brogna, um estudioso da arte portuguesa contemporânea.
De Sade a James Elroy
Outros temas e outros desafios enfrenta João Louro na sua exposição no Macro, onde, a convite do director do renovado museu, Luca Massimo Barbero, encena “My Dark Places”, um novo capítulo do seu projecto “Blind Images”. Aí põe frente a frente, num declarado jogo de espelhos legendados, o tema do sexo e da morte com recurso à morbidez e à escatologia da escrita de dois nomes da história da literatura: o Marquês de Sade e o escritor contemporâneo norte-americano James Elroy. Ao fundo da sala, uma grande tela amarela está rodeada por quatro outros quadros monocromáticos, sob o título “Clockwise from above”.
Esta foi também uma exposição especificamente concebida para a sala do Macro, e João Louro sabe que ela não é uma proposta fácil. “Apesar de permanecer fiel ao meu fervor pela literatura, abordo um tema duro e tenso”, diz o artista, referindo-se aos universos e aos “fantasmas” dos referidos escritores, que ele resolveu associar sem nenhuma outra razão que não a de procurar “combinações novas” neste mundo “tão sobrecarregado de clichés”. No texto de apresentação da exposição, João Louro é identificado como um artista que traz “uma nova luz” e que é representativo da actual “cena artística conceptual portuguesa”.
Julião Sarmento, que se deslocou a Roma para acompanhar esta maratona de “arte contemporânea”, elogiou a exposição de Louro, de quem se assume “grande admirador”, e atribuiu um especial significado à circunstância de na sala ao lado estar uma instalação do consagrado artista italiano Gilberto Zorio (com o título “X Y Zorio”), um nome da Arte Povera. “Foi uma junção feliz”, diz Sarmento.
Visitante também rendida à sala de Louro foi a curadora italiana Simona Cresci, que trabalha normalmente com arte portuguesa – nomes como Vasco Araújo, Rui Chafes, Raquel Gomes e Rodrigo Oliveira –, e que vê na obra do artista de Lisboa “uma poesia muito bela, mesmo se dura e difícil”.
A presença de João Louro no Macro é, num certo sentido, anunciada por uma instalação que o artista fez no jardim da Embaixada Portuguesa, a algumas centenas de metros do Macro, e que numa rede de sinais de trânsito (mais um trabalho da sua série “Dead End”) convida o passeante a fazer um percurso de “sentido obrigatório” entre a poesia de Mário de Sá-Carneiro e a exposição do museu.
Criar uma imagem para Portugal
O Embaixador de Portugal em Roma, Fernando Neves, vê aqui um “sinal” da nova estratégia que a sua chancelaria está a promover para criar uma imagem do nosso país em Itália. “Portugal tem um problema de visibilidade a nível internacional: tem uma imagem pouco assertiva. A questão não é sequer saber se ela é boa ou má; é ela não existir”, diz o diplomata. E acrescenta ser sua convicção que “os produtos de qualidade”, sejam as artes plásticas, a arquitectura, a literatura, a música ou o cinema, como artigos de outros géneros, “são a melhor forma de chegar e mostrar a cultura portuguesa em Itália”. Daí a aposta da Embaixada no programa artístico e cultural que vem desenvolvendo. “Tive a sorte de ter um conselheiro cultural [Paulo Cunha e Silva], que, sendo médico, é um perito em actividades culturais”, acrescenta Fernando Neves. E associa este trabalho ao que a Embaixada vem fazendo também junto das universidades com cátedras dedicadas a escritores portugueses por toda a Itália, país que possui “uma das maiores redes de ensino do português no mundo”, nota. Só em Roma, por exemplo, há cátedras dedicadas ao padre António Vieira, a Agustina Bessa-Luís e a José Saramago, mas no conjunto haverá cerca de três dezenas, frequentadas por entre 150 a 200 alunos.
“Já visitei onze delas, e tenho encontrado um enorme entusiasmo relativamente à língua portuguesa”, diz o embaixador. E acrescenta que lembra sempre aos estudantes que o português “não é apenas a língua de um país da Europa, mas uma língua universal, que dá acesso ao Brasil e a África”, consciente de que esta razão é também uma das motivações que podem levar os jovens italianos a interessarem-se pela nossa língua.
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