A insónia de um tempo profundo
“- Tem uma caneta que me empreste?
- Não, não tenho.
- Pois, atualmente os leitores do Camões já não usam canetas! “
Foi durante a exposição de Albuquerque
Mendes que mantive este curto diálogo com Paulo Cunha e Silva. Ele era
Conselheiro Cultural na Embaixada Portuguesa em Roma, eu era docente do IPSAR e
do Instituto Camões nas Universidades de L’Aquila e Salerno. Ele buscava uma caneta enquanto se preparava
para dar uma entrevista ao jornal Público, eu tinha acabado de chegar dos meus périplos
universitários ao local da exposição, a belíssima Igreja de Santo António
dos Portugueses. Após o comentário sarcástico que havia feito, pensei
de imediato “O homem não gosta de mim!”; mas depois refleti que também os
conselheiros culturais atualmente não tinham canetas, ou pelo menos ele,
Paulo, não tinha qualquer caneta naquele momento. Na verdade, ele colecionava
canetas, mas a sua escrita era feita com outros objetos, telemóveis, computadores,
tablets, porque Paulo Cunha e Silva
era um homem que lutava contra o tempo. “Dinâmico” é um adjetivo
“curto” e insuficiente para caracterizar a personalidade de Paulo Cunha e
Silva. Ele lutava contra o tempo, pois preferia fazer do que se ficar pelas
ideias. Era rápido a executar ideias e projetos, como sentisse que uma ideia
demasiada amadurecida podia cair da árvore e nunca dar um fruto apetecível. Tive
o prazer de trabalhar com ele em alguns eventos culturais para o Instituto Camões e,
de facto, Paulo era um homem que tinha ideias, reunia pessoas, procurava
espaços e o evento fazia-se nem que fosse nos lugares mais impensáveis e com
orçamentos reduzidos (muitas vezes sem estes) do mundo. E fazia-os na hora. A
exposição de Albuquerque Mendes na Igreja de Santo António dos Portugueses é um
bom exemplo do que o Paulo pensava acerca da arte. Na hora. Em público não era uma pessoa palradora, mas por
detrás da sua elegância e vaidade escondiam-se dois ouvidos atentos. Além
disso, tinha um feitio especial para perceber os artistas e um orgulho imenso
num país chamado Portugal. De Portugal para Roma trouxe Bela Silva, Joana
Vasconcelos, Manoel de Oliveira, Siza Vieira, Eduardo Souto Moura, entre
outros. Alentejano de gema, portuense de coração, Paulo foi a tempo de iniciar
um projeto que havia interrompido aquando da saída da Porto 2001: Porto!
Enquanto vereador da cultura, Paulo fez
com a Cidade Invicta se revitalizasse e enchesse de vida, de movimento. Turistas,
habitantes, estudantes, artistas, museus, cafés (...) constituíram para Paulo
Cunha e Silva a amálgama perfeita para que pudesse dar voz à sua
paixão, o conhecimento. Trabalhava muito e dormia pouco. As insónias não lhe
permitiam o descanso do corpo. E o tempo
escapava-se-lhe das mãos como grãos de areia.
Entristece-me que a sua vida tenha sido fugaz, mas Paulo Cunha e Silva
era mesmo assim, um homem fugaz.
DUARTE PINHEIRO
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