mercoledì 11 novembre 2015

Morreu Paulo Cunha e Silva, o homem que mudou a Cultura do Porto

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http://www.publico.pt/culturaipsilon/noticia/morreu-paulo-cunha-e-silva-1714048




Cláudia Lima Carvalho ,   Isabel Salema ,   Patrícia Carvalho ,   Mário Lopes e   Lucinda Canelas   
 
O vereador da Cultura na Câmara do Porto, Paulo Cunha e Silva, morreu na madrugada de terça-feira para quarta-feira na sua casa em Matosinhos vítima de um enfarte agudo do miocárdio, apurou o PÚBLICO junto de amigos. Tinha 53 anos. Cunha e Silva sentiu-se mal depois do jantar, foi assistido pelos amigos e pelo INEM mas viria a falecer pouco depois. O óbito foi declarado às 00h15. Num curto comunicado emitido esta manhã, o presidente da Câmara do Porto, Rui Moreira, anuncia que foram decretados três dias de luto na cidade.

O corpo ficará em câmara ardente, a partir das 17h desta quarta-feira, no palco do auditório Manoel de Oliveira, no Teatro Municipal Rivoli. Em comunicado, a Câmara do Porto explica que o teatro estará aberto durante toda a noite "a todos os queiram prestar homenagem" ao vereador. Na quinta-feira, pelas 14h, o cortejo fúnebre abandonará o teatro, seguindo até à Igreja da Lapa, onde se realiza a missa, pelas 15h. O corpo será cremado.

Nos dois anos que esteve à frente da vereação - foi convidado para o cargo pelo independente Rui Moreira - o Porto conheceu um renascimento cultural: quer com os muitos projectos que lançou, quer num intenso trabalho em rede com múltiplos agentes e espaços culturais da cidade, dando-lhes visibilidade. Numa entrevista ao PÚBLICO logo depois de ter tomado posse, o vereador disse que o Porto podia “ser um laboratório político-cultural para o país”. Um dos seus slogans era a vontade de transformar o Porto numa “cidade líquida”, movente, “onde tudo pode acontecer em todo o lado”. Cunha e Silva conseguiu também devolver à cidade o seu teatro municipal, o Rivoli.

“O Paulo era uma pessoa que tinha uma visão completa da Cultura. Marcou profundamente a dinâmica cultural do Porto, onde havia quase um esquecimento”, diz ao PÚBLICO Luís Braga da Cruz, presidente da Fundação de Serralves, visivelmente emocionado e “chocado”. “O seu desaparecimento deixa um profundo desgosto”, acrescenta, contando que ainda nesta terça-feira esteve com o vereador em Serralves para o início da grande retrospectiva da obra cinematográfica de Manoel de Oliveira.

Braga da Cruz conta que no seu discurso de inauguração da retrospectiva, organizada em conjunto por Serralves e a Câmara do Porto, Paulo Cunha e Silva disse que não se podiam dar mais nomes de ruas ao cineasta que morreu em Abril deste ano como forma de homenagem mas sim “mostrar a sua obra para que a sua memória perdure”. “E nós agora temos de fazer a mesma coisa com a memória do Paulo, sem deixar esmorecer, sempre com mais energia”, defende o presidente de Serralves, para quem Paulo Cunha e Silva foi “um interlocutor permanente”. “Não havia nada que fizéssemos em Serralves que ele não aparecesse, estava sempre presente, sempre atento, com sentido de oportunidade”, continua, com a certeza de que Paulo Cunha e Silva “enriqueceu o Porto”.

Tiago Guedes, director do Teatro Municipal do Porto, lembra a forma intensa como Paulo Cunha e Silva trabalhava. “Tínhamos uma relação de trabalho que extravasava uma relação normal de trabalho. Era algo muito intenso, sempre com ideias em cima da mesa”, conta o coreógrafo e bailarino escolhido para encabeçar uma das grandes apostas da Câmara do Porto, o Rivoli. “O Paulo encarava a Cultura de forma muito transversal. Os projectos artísticos eram pensados sempre em relação com outras aéreas, outras estruturas, outras pessoas, o que tornava o trabalho muito rico. Ele não via a Cultura como algo fechado em si mesmo, pelo contrário. A Cultura para ele era aberta e completamente transversal a todas as áreas do conhecimento e do pensamento”, diz, recordando “a capacidade enorme” que o vereador tinha de contaminar todos os que o rodeavam com “o entusiasmo que tinha pelo trabalho”. “O trabalho era a vida dele.”

É por isso que Tiago Guedes garante que o trabalho que tem vindo a ser desenvolvido no Rivoli continuará a ser feito. A programação não será alterada, destacando a exibição de Aniki-Bóbó marcada para às 22h desta quarta-feira, no âmbito da retrospectiva integral de Manoel de Oliveira. “Vai acontecer tudo como ele queria”, diz.

António Jorge Pacheco, director artístico da Casa da Música, não tem dúvidas de que o Porto, e o país, perderam uma referência importante. “Eu perdi um amigo”, diz, sem conseguir acrescentar muito mais. “Tinha uma energia criativa rara”, continua, contando que os dois ficaram amigos quando trabalharam juntos na Porto 2001, onde Pacheco foi o responsável pelo sector da música.

“Enquanto vereador da Cultura, Paulo Cunha e Silva em muito contribuiu para a transformação da cidade, para que se respirasse um ar diferente. Ele fez parte da transformação que se viveu Porto”, defende, falando do Porto de agora como “uma cidade muito mais cosmopolita e em que de facto os valores da Cultura foram realçados como não tinham sido antes”.

Licenciado em Medicina e doutor pela Universidade do Porto, Paulo Cunha e Silva torna-se mais conhecido quando assume boa parte da programação da Porto 2001. A astrónoma Teresa Lago, que foi presidente da Porto 2001 e é hoje secretária-geral da Sociedade Astronómica Internacional, diz que Paulo Cunha e Silva foi uma das pessoas “essenciais” para a programação da Capital Europeia da Cultura. “Ele era uma pessoa obviamente brilhante e excitante”, disse ao PÚBLICO, na manhã desta quarta-feira, caracterizando o último vereador da Cultura da Câmara do Porto como “uma espécie de vulcão em erupção constante de ideias interessantíssimas”.

Teresa Lago revela que ficou “muitíssimo feliz” quando soube que Cunha e Silva era o escolhido de Rui Moreira para assumir a pasta da Cultura, porque, argumenta: “Criaram-se enormes expectativas de uma vida cultural numa cidade que estava tão carente, depois da seca enorme que tivera”. Com a morte prematura do vereador, a astrónoma não tem dúvidas que ele teve “pouco tempo para concretizar “ o que queria. “Ele tinha muitas ideias, não teve tempo suficiente”, diz.

Substituir Cunha e Silva será, para a ex-presidente da Porto 2001, uma tarefa muito difícil. “Não vai ser fácil, com certeza. Ele era da área da ciência, era médico, e tinha uma capacidade absolutamente extraordinária de cruzar interesses. Era uma pessoa única, muito particular e de uma enorme actividade intelectual”, disse.

José Barreiro, director do festival NOS Primavera Sound, recorda Paulo Cunha e Silva como um homem que “tinha do Porto a ideia de uma cidade, europeia, contemporânea, moderna”, destacando, do seu trabalho enquanto vereador da Cultura, “a devolução do Rivoli à cidade”. Realçando a “admiração e respeito” que “todos os agentes culturais tinham pelo seu trabalho”, lamenta a sensação que fica, com a sua morte, de Cunha e Silva “não ter tido tempo de fazer tudo aquilo de que a cidade precisava”: “Lançou sementes e o Porto poderá colher mais tarde essa sementeira”.

José Barreiro acentua que Paulo Cunha e Silva demonstrou que, “mesmo sem uma grande disponibilidade financeira para apoiar projectos culturais, devido às limitações orçamentais, é possível, através da motivação dos agentes culturais, fazer bastante com pouco”. Dá como exemplo da sua visão para a cultura o Festival do Pensamento/Fórum do Futuro, que teve segunda edição no início deste mês e que reunia, no Rivoli, em Serralves ou na Casa da Música, um painel internacional de cineastas, arquitectos, filósofos ou romancistas para debater de uma forma multidisciplinar os desafios que se colocam à sociedade contemporânea. O tema da edição 2015 era “a felicidade”.

Antes de chegar à vereação da Cultura do Porto, Cunha e Silva foi conselheiro cultural na Embaixada de Roma entre 2009 e 2012. Foi ainda director do Instituto das Artes entre 2003 e 2005.

 

Em Outubro, foi condecorado pelo Governo francês com o título de Cavaleiro da Ordem das Artes e Letras, pelo "seu serviço à Cultura".

Pensar e fazer o que se pensa

No domínio do debate de ideias, foram muitas as áreas do pensamento contemporâneo que interessaram a Cunha e Silva. Sempre disposto a cruzar as ciências – física, matemática, medicina, bilogia - e as artes, este professor da Universidade do Porto ancorava boa parte das suas reflexões no lugar que cabia ao corpo no confronto com tudo o que o rodeava. Paulo Cunha e Silva era professor associado de Pensamento Contemporâneo na Faculdade de Desporto.

Na sua tese de doutoramento, que haveria de ser publicada em livro, O Lugar do Corpo: Elementos para uma Cartografia Fractal (edição Instituto Piaget, 2007), Paulo Cunha e Silva apresenta uma “original” teoria do corpo, “muito inovadora”, que atravessaria boa parte da sua produção teórica e crítica, explica ao PÚBLICO José Bragança de Miranda, ensaísta e investigador da Universidade Nova que desenvolveu vários projectos com o programador da Porto 2001, que haveria de se tornar seu amigo. “O que lhe interessava eram as capacidades de expressão do corpo face à arte, à política, ao território. E, a partir deste interesse, que ele explora com todos os seus conhecimentos da medicina, da biologia, da astronomia e da matemática, ele cria uma nova teoria baseada no movimento, aquilo a que ele chama o ‘corpo motor’”, explica este sociólogo com obra publicada nos domínios da comunicação e da cultura. Um corpo “instável” que se descobre na relação com o mundo, a política, a arte, a cidade.

A sua maneira de pensar, e de pensar o território, a cidade, assentava na possibilidade de estabelecer redes, acrescenta o professor universitário, lembrando que, quando apresentava mais um dos seus projectos de cruzamentos interdisciplinares, Cunha e Silva dava muitas vezes a imagem do mapa do metro, com todos as suas estações, nós, linhas e derivações: “A rede é a sua maneira de pensar o mundo. E os mapas ajudam-no a criar várias cidades dentro da cidade real que ele conhece bem.”

A Bragança de Miranda assustava-o, por vezes, o seu entusiasmo avassalador: “O Paulo estava muito longe de ser um intelectual descarnado, etéreo. O Paulo não era só o que pensava, era o que fazia. Sei agora que essa entrega tinha riscos, tinha custos.”

Ao serviço da cultura

O vocalista dos GNR, Rui Reininho, conhecia há muito Paulo Cunha e Silva. “Já antes do Porto 2001 nos tínhamos reunido para realizar algumas iniciativas em conjunto”, recorda, antes de o descrever de forma curiosa. “Nestes tempos que temos vivido, vejo-o quase como um agente ao serviço de Sua Majestade da Cultura. Em vários filmes do 007, James Bond desaparecia numa queda inóspita ou algo semelhante e depois reaparecia. Este é um dos poucos casos em que gostaria que a reencarnação existisse.”

Abalado pela notícia – “é difícil acreditar que tenha morrido”, suspira -, lembra em Paulo Cunha e Silva alguém que “fazia da cultura um grande prazer”. Do seu trabalho recente na autarquia portuense, realça “as portas que abriu e as pontes estabeleceu”, e faz uma analogia musical: “Creio que não havia uma nota que o Paulo não conseguisse dar. Desde barítono a contralto, descobriu todas as notas. Deixa uma série de iniciativas em andamento, portanto a sua voz ainda ecoa.”

Na memória tem “a forma como passava dos assuntos ditos sérios para uma cascata de humor e boa disposição”, e um entusiasmo abnegado pelo trabalho cultural. “Não queria nem nome de rua, nem busto, a não ser que fosse um busto desnudo”, remata com humor. Afirma depois, muito a sério: “Nestas ocasiões somos sempre egoístas e falamos da falta que nos fazem aqueles que partiram, mas neste momento, e não diria isto de muita gente, sinto que podia ter ido eu. Fazia menos falta.”



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