FRANCISCO APERTA A MÃO A MARCELO E A COSTA, MAS VEM COMO
PEREGRINO
Paulo VI recusou
pernoitar no país e tratou Salazar com rispidez, João Paulo II ofereceu a
Fátima a bala que o atingiu no atentado de Roma, Bento XVI passou por Lisboa e
Porto. Francisco fica apenas por 23 horas, mas bate os seus antecessores aos
pontos no calor que emana no contacto com as pessoas.
Natália Faria
12 de Maio de 2017,
6:50
Nesta que é a sua
19.ª viagem internacional desde que foi eleito Papa, em Março de 2013, Jorge
Mario Bergoglio vem como peregrino, circunscrevendo a sua passagem por Portugal
ao Santuário de Fátima. Apesar de não ser uma visita de Estado, Francisco não
se escusou a encontrar-se nesta sexta-feira com o Presidente da República,
Marcelo Rebelo de Sousa, logo à sua chegada à base aérea de Monte Real, nem com
o primeiro-ministro, António Costa, no dia 13, já no Santuário de Fátima, mas
ainda assim longe da mira dos jornalistas e das câmaras de filmar e objectivas
fotográficas.
Serão encontros
rápidos, até porque, conforme explicou o próprio no vídeo divulgado na
quarta-feira pelo Vaticano, Francisco vem com as suas “vestes de pastor
universal”, o que, na prática, significa que se limitará a acompanhar os
“momentos e actos próprios” da peregrinação para, “pecador entre pecadores”, marcar
“encontro com todos, aos pés da ‘Virgem Mãe’”.
Nesta viagem de 23
horas do 266.º Papa da Igreja Católica Apostólica Romana, o único paralelo que
se encontra é com a visita que Paulo VI fez em 1967, naquela que foi a primeira
visita de um Papa ao Santuário de Fátima, por ocasião do 50.º aniversário das propaladas
aparições. Numa altura em que as relações entre Portugal e o Vaticano estavam
azedas, Giovanni Battista Montini acedeu ao convite que lhe havia sido
endereçado pelo embaixador junto da Santa Sé, António de Faria, mas fez questão
de vincar o carácter estritamente religioso da visita que, tal como agora,
arrancou na base aérea de Monte Real, ou seja, sem passar por Lisboa.
As semelhanças,
porém, esgotam-se aqui. Em 1967, as relações entre Portugal e o Vaticano
estavam tensas desde que o pontífice visitara a Índia, já após a anexação de
Goa, Damão e Diu. Para contornar o risco de ser conotado com os sectores mais
tradicionalistas da Igreja, e para se demarcar de uma visão de Fátima mais
próxima do ideário belicista da Guerra Fria, Paulo VI sublinhou, via Rádio
Vaticano, que vinha como peregrino, ou seja, recusando honrarias de Chefe de
Estado, e que a sua visita visava “purificar a devoção a Nossa Senhora”,
expurgando-a da “atmosfera de secretismo, exploração política e social, falsos
mistérios, rumores e mexericos”, conforme recorda o historiador António Araújo
no número que a revista Visão dedicou recentemente ao fenómeno.
“Vossa Eternidade…”
O mesmo historiador
recupera o anedotário da época para contar que, quando o ditador Oliveira
Salazar se dirigiu no santuário ao Papa tratando-o por “Sua Santidade”, este,
com ironia mal disfarçada, terá retorquido qualquer coisa como “Vossa
Eternidade”... A irmã Lúcia não mereceu, de igual modo, grandes deferências papais.
Pelo contrário, terá sido alvo, segundo os relatos da época, de alguma rispidez
do pontífice.
Francisco não terá
a rispidez de Paulo VI nem sequer a ligação emocional a Fátima de João Paulo
II. O papa polaco, que ajudou a internacionalizar o culto de Fátima, esteve
três vezes no santuário. Na primeira, em 1982, veio para agradecer a Nossa
Senhora de Fátima a “mão maternal” que, segundo dizia acreditar, desviou a bala
no atentado de que fora vítima um ano antes, na Praça de S. Pedro, em Roma.
Aliás, ofereceria mais tarde ao santuário uma das balas do atentado que haveria
de ser encastoada na coroa da estátua da Virgem. Por ironia, naquela noite de
12 para 13, João Paulo II preparava-se para abençoar os peregrinos presentes no
santuário quando é vítima de uma nova tentativa de assassinato, protagonizada
pelo padre espanhol Juan Fernández Krohn, que dele se aproxima com uma baioneta
na mão. É também João Paulo II que, na sua terceira visita a Fátima, em 2000,
beatifica Francisco e Jacinta Marto.
Menos emotiva, a
passagem de Bento XVI, em 2010, compreende passagens por Lisboa e Porto, além
de Fátima, onde o alemão rezou na Capelinha das Aparições e disse missa na Basílica
da Santíssima Trindade.
Filho de um
ferroviário italiano e de uma dona de casa, o que Francisco tem, e os seus
antecessores pareciam não ter, pelo não menos na mesma medida, é uma bonomia e
boa disposição que concorrem directamente com Marcelo Rebelo de Sousa,
sobretudo ao nível do calor que emana no contacto com as pessoas. Mas poucos
terão oportunidade de discutir com ele as suas preferências por tango e
futebol. É que, feita a aterragem na base aérea de Monte Real, pelas 16h desta
sexta-feira, a viagem do Papa até ao Santuário de Fátima será feita de
helicóptero. Por volta das 18h, deverá aterrar junto ao campo de futebol e os
restantes três quilómetros até ao santuário serão percorridos de “papamóvel”.
Francisco vai directamente para a Capelinha das Aparições e, depois de rezar,
deverá recolher à Casa Nossa Senhora do Carmo, onde pernoitará no mesmo quarto
onde dormiram João Paulo II (1982, 1991 e 2000) e Bento XVI (2010). À noite, o
pontífice argentino presidirá ao terço e à procissão de velas, mas não fica
para a missa da noite, aparentemente porque está habituado a deitar-se cedo e a
levantar-se por volta das 4h30 da manhã para rezar até às 7h.
No sábado, o ponto
alto será a missa solene presidida pelo Papa e que inclui a cerimónia de
canonização dos pastorinhos Francisco e Jacinta Marto. De seguida, Francisco
almoça com os bispos portugueses e empreende a viagem de regresso a Roma, a
bordo de um avião da TAP.
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