Pedimos aos alunos do segundo nível do
Instituto Português de Santo António em Roma para escreverem sobre alguns
provérbios portugueses, que têm em comum a sua expressão inicial: «Mais
vale...».
Paolo Pasquini escolheu «MAIS VALE UM POBRE ALEGRE QUE UM RICO APAIXONADO (e outros provérbios
arriscados)»
Obrigado, Paolo!
Ha uma convicção difusa que nos provérbios
está uma sabedoria secular ou, deveras, a “Verdade”(qualquer sentido isto
tenha).
Mas a
verdade é que diversos provérbios populares se fundam em distorções cognitivas,
falsas crenças e mitos.
E necessário defender-se para proteger a
própria saúde mental, talvez bastante precária. Por exemplo, o provérbio “Confiar
é bom, desconfiar é melhor” é muito insidioso porque, incluindo alguns
elementos de verdade, é sugestivo, mas, tomado a letra, leva à psicopatologia:
suspeita exagerada ou até, qual extrema consequência, paranoia.
Na realidade, é mais verdadeiro o contrário:
“Desconfiar é bom, confiar é melhor” porque isto é mais saudável. O preço a
pagar é aquele de possíveis erros de ingenuidade ou confiança mal reposta, o
que é mais compatível com o bem-estar e muito melhor do que a suspeita permanente
que representa um obstáculo às boas relações (= relações sem medo), que são o
fundamento da saúde mental.
Seja como for, com base em crenças desta
natureza tem diferentes postulados ocultos, vários erros de lógica, como por
exemplo, a petição de princípio-nominalismo, varias ditorções cognitivas, como,
por exemplo, o pensamento dicotómico, o qual é somente uma maneira de
simplificar o nosso pensamento e a comunicação, mas tende a falsificar a
realidade na sua articolação e complexidade.
O provérbio: “Mais vale um pobre alegre que um
rico apaixonado”, é tambem uma asseveração não desprovida de alguns elementos
de verdade, mas a uma análise mais atenta, é evidente que esta é uma afirmação
que se funda num postulado oculto entre os mais catastróficos para os seres
humanos. Em todas as épocas, muitos sofrimentos se originaram de epidemias,
carestias, guerras, injustiças, catástrofes naturais, violências,
desigualdades, ignorância e imbecilidade. Mas se há uma coisa que foi, é e será
o princípio mais poderoso da infelicidade humana, este é o conceito mesmo de
felicidade, que leva a cair em ratoeiras, como, por exemplo:
“Porque é que eu não sou feliz?” (talvez tenha
em mim mesmo qualquer coisa errada – a culpa é minha – tristeza),
“Porque eu ainda nao sou feliz?” (preciso de
fazer mais ou diferente > “mais é melhor”> trabalhos forçados > cansaço,
descontentamento, desassossego),
“Todos os outros são felizes” (> inveja,
raiva,ressentimento, rancor, maldade, malícia).
Há muitas variações do mesmo tema, todas
fundadas no mito da felicidade e todas levam à infelicidade.
Se o problema neste provérbio fosse somente
aquele do estereotipo do “pobre feliz” (parecido àquele do “bom selvagem”) não
seria mais terrível. A catástrofe está
no postulado escondido (um mito poderosíssimo):
- a felicidade existe (“tem um nome, deve
exister... como Deus!”)
- precisamos e devemos persegui-la (de
qualquer maneira: amor sem sofrimento (ah,ah!), dinheiro sem ou com pouco
sofrimento, sem dinheiro e sem sofrimento (o “pobre alegre”), poder, fama,
cultura, inteligência, sucesso (?)...
- se eu não sou feliz, eu sou um falido e
ninguém me apreciará (= me amará). O “rico apaixonado” aparece como um caracter
patético, se não ridículo, um que perdeu. Pelo contrário “o pobre alegre”
aparece simpático, astuto, vencedor.
A sugestão, implicita mas muito potente, da
necessidade de perseguir a felicidade (nunca definida!) representa a melhor
garantia de infelicidade entre as muitas maneiras de complicar a vida que o homo sapiens, na sua insípida
superioridade evolutiva, conseguiu encontrar.
Duas perguntas:
1. Mas
vocês conhecem mais pessoas felizes ou infelizes?
2. E
se as pessoas felizes fossem aquelas que cessaram de perseguir a felicidade?
Certamente, se por “pobre alegre” nós
entendemos isto, e por “ricos apaixonados” entendemos aquelas pessoas que
perseveram na procura da felicidade (a segurança do inferno na terra), então eu
posso estar de acordo com este provérbio.
Mas eu acho que o perigo de reforçar, duma
maneira ou de outra, a catástrofe ideológica da felicidade, um falso ídolo, existe
sempre e nós temos a obrigação moral de
proteger as pessoas que amamos e nós mesmos do perigo da felicidade, um
conceito perverso.
Felice lo dici a tua sorella!
PAOLO PASQUINI
1 commento:
Querido Paolo,
agradeço-te enormemente por aclarar uns conceitinhos que vão talvez demolir aqueles falsos ídolos tão ponderosos... Este sentido de leveza em depositar o fardo pesado da busca da felicidade não tem preço...
Parabéns!!!
Annalisa
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