OS LAGARTOS AO SOL
Expõe ao sol a perna escalavrada,
no jardim do Príncipe
Real,
uma velha inglesa. Não há nada
tão bonito (pra mim), so natural.
E conversamos: “Helioterapia
medicina barata em Portugal”.
Acionista do sol, ajudo à missa:
“But, não muito, que senão faz mal”.
Gozosos, eu e a velha, ali ficamos
à mercê de meninos e marçanos.
Ela, a inglesa, de perninha à vela;
e eu, o português, à perna dela.
Talvez que, se Briol nos conservara,
alguém um dia nos ajardinara.
Uma pequena nota sobre Os Lagortos ao Sol – Alexandre
O’Neill
MATTEO CANALE
os amantes são sempre
extravagantes
e ao frio também faz calor
Embora o Tiago Bettencourt cante da sua indiferente Morena que ela “não chora / com um fado negro de Oulman / nem com um poema de
O’Neill / na primeira luz da manhã”, é fácil
imaginarmos que ao fim destes delicados versos – apesar do Briol ventar e
gelar os amantes - a velhinha inglesa vai cair enamorada pelo seu lagarto português;
e pelo mesmo poeta, que lhe está a oferecer a última oportunidade de se sentir desejada…
De facto há um divertido e emocionante jogo
de reflexos neste poema - erudito na forma e compreensível no seu tema - que nos ajuda a comprender que as coisas podem
ser lidas de muitas diferentes maneiras. Consideramos, por exemplo, os personagens: ninguém sabe o pode definir a idade
do sedutor, se é um velhinho em gabardina, que está a queimar os últimos
seus cartuchos, ou um jovem aventureiro, tentator serial à moda do Dom Juan
mozartiano, que “delle vecchie fa conquista/ pel piacer di porle in lista”.
Só temos
a certeza que este poema é um hino en honra do amor e das suas seduções:
deduzimo-lo da elegante forma poetica, que o poeta O’Neill escolheu: o soneto
inglês à moda da poesia Tudor, que naquelas alturas era construído em três
quartinas, de rima alternada, e um dístico ao fim, onde o nosso poeta faz explodir
a sua ironia e nos deixa a ideia de um final aberto cheio de incerteza. Então, estamos
agora todos aqui a perguntar: o que (não) aconteceu?
Na verdade a sintaxe
rápida, a forma de diálogo, o uso de palavras de diferentes línguas juntas e
misturadas, indica-nos de maneira muito clara e sem indecisão o que aconteceu:
todos os versos simulam um jogo de olhares e de leques. E ao fim, o climax destas
alliterações “à mercê de meninos e marçanos” insinua-nos e sugere que não
haveria alguma escapatória para a velhinha (ou para o português!).
Aquela harmoniosa
conversa, nunca apagada, terminará numa maniera perfeita: sem nunca diminuir o
brilho do encantamento da sedução. De facto, não há forma melhor de amar senão
conseguir o jogo da seducão, como nas estatuetas de porcelana, que imitam um leve
e gozoso momento que nunca vai parar.
MATTEO CANALE
1 commento:
Interpretação profundamente sentida e animada!
O comentário do Matteo tornou-se numa pintura: Ut pictura poësis!!! I.
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