https://www.publico.pt/politica/noticia/ortografia-e-que-nao-1725738
Ortografia é que não
Chamem-lhe poligrafia, multigrafia, plurigrafia, arbitriografia, o que quiserem. Ortografia é que não.
Marcelo Rebelo de Sousa escreveu um longo artigo no Expresso
sem respeitar o novo Acordo Ortográfico em vésperas de tomar posse.
Ah!; Marcelo tem vários assessores anti-acordistas. Ena!; Marcelo
subscreveu um manifesto de personalidades anti-Acordo em 1991. Caramba!;
o discurso presidencial de Marcelo respeitou, afinal, o Acordo
Ortográfico de 1990. Oooooh!
Tudo isto se passou em
poucos dias e tudo isto acendeu, para logo atenuar, nova chama na velha
querela ortográfica. O vigilante Malaca veio logo clamar que Marcelo, em
Belém, teria que se submeter ("é a lei!") e outros exigiram
clarificações. Nada de novo, a não ser o disparate do costume. Mas o
mais importante reside na frase que rematava o artigo do agora
Presidente: "Marcelo Rebelo de Sousa escreve de acordo com a antiga
ortografia". Ora a frase é absurda por uma razão simples: não existe uma
nova ortografia. Existe, sim, um acordo que destrói a noção mais básica
de ortografia, a que vem descrita, com clareza e secura, no relatório
académico que antecedeu o acordo de 1945: "Não se consentem grafias
duplas ou facultativas. Cada palavra da língua portuguesa terá uma
grafia única. Não se consideram grafias duplas as variantes fonéticas e
morfológicas de uma mesma palavra" (por exemplo: ouro, oiro; louça,
loiça; touro, toiro, etc). Pois a tal "nova ortografia" não só consente
como multiplica à exaustão grafias duplas e facultativas. Antes dela, o
Brasil tinha uma ortografia. Portugal também. Agora, têm um supermercado
de palavras, muitas delas caricatamente deformadas, para usar ao gosto
do freguês — o "escrevente".
Ora Marcelo respeitou a
ortografia (em vigor, já que nenhuma lei explicitamente a revogou)
aprovada em 1945 com bases científicas. O que por aí anda é outra coisa.
Chamem-lhe poligrafia, multigrafia, plurigrafia, arbitriografia, o que
quiserem. Ortografia é que não. Por isso, se o senhor Presidente quiser
poligrafar, poligrafe. Se não quiser, ponha algum tento nisto.
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