venerdì 4 dicembre 2009

Espelho Mágico? por Rosanna Cimaglia


Ainda a respeito da projecção de um excerto de "Espelho Mágico" de Manoel de Oliveira, no passado mês de Novembro, a nossa brilhante aluna Rosanna Cimaglia inventou uma nova história para a protagonista, Alfreda... Obrigado e parabéns, Rosanna! E aos nossos leitores: bom divertimento!



Dona Alfreda da Encarnação e Silva era uma mulher muito conhecida na cidade, invejada por fazer parte duma família rica com história de gerações. A casa onde morava e passava os dias inventando as suas horas era uma quinta que ficava fora da cidade, considerada uma das mais bonitas do país e conhecida pelas gentes com o nome de “quinta dos jantares” por causa dos jantares que frequentemente Dona Alfreda organizava.

As pessoas falavam desses jantares por serem abundantes e com comidas exóticas, de sabores particulares, que não se comiam habitualmente…Todos eram convidados a casa de Dona Alfreda, tanto ricos como pobres – mas, é claro, em dias diferentes! Com esse comportamento gentil e grandemente apreciado, Alfreda ganhou popularidade, mas havia alguém que a considerava com suspeita, porque não se compreendia bem as razões desse grande ímpeto para saciar o povo.

Essa atenção pelo próximo tinha criado na população uma espécie de imagem mística dela, tal que se dizia que a Dona Alfreda da Encarnação e Silva era como a Nossa Senhora na terra! E ela, mulher egocêntrica e excêntrica que gostava surpreender o próximo, ficava tão orgulhosa com essa definição que começou a fantasiar sobre a Virgem Maria e a dedicar-se ao misticismo, ao descobrimento da figura de Nossa Senhora e das semelhanças que tinha com ela, pois era um meio para se exaltar e empregar o seu tempo.

Entre um banho na piscina e um Martini, Alfreda começou o seu caminho de elevação espiritual falando das sua aspirações místicas com amigos, empregados da quinta, religiosos, e acabou por contactar uma monja muito famosa que vinha da Espanha só para falar de “técnicas de revelações” e aprendizagem da fé e para tentar dar graça ao seu ânimo. O que Alfreda desejava sobretudo era ver a Virgem Maria mas, apesar dos exercícios espirituais - depois o pequeno almoço, o almoço e o jantar - apesar do ioga - duas vezes por dia - apesar dos rosários com pais-nossos e ave-marias, o estado de graça desejado não chegava… Que fazer mais?

Uma noite, depois um dos seus pantagruélicos jantares, Alfreda retirou-se para o seu quarto com esta pergunta na cabeça: “que fazer mais?”. Parou diante do grande espelho, e dado que tinha trazido um prato da mesa, foi pô-lo sobre a mesa da cabeceira. Voltou ao espelho e fixando os seus olhos que se reflectiam nele, repetia a si mesma a mesma pergunta. Como num estado de hipnose, viu um turbilhão de ondas e luz em redor da sua figura, que a atiraram no centro do espelho até desaparecer…

Embrulhada numa grande luz, Alfreda fez uma viagem através do tempo e do espaço chegando a um lugar desconhecido. Parecia uma aldeia antiga, oriental, não havia ninguém na rua , mas ela ouviu uma voz de homem chamar:
“Maria, Maria…onde é que vais? Maria, volta para casa, está frio aí fora, toma, leva o teu manto…é preciso ter cuidado, nas tuas condições…”

Alfreda voltou-se, viu um homem que estava a falar com ela, mas ela não compreendia. O seu nome não era Maria. E porque é que ele lhe dizia “nas tuas condições” ? Um instante depois sentiu uma dor no ventre e só naquele momento percebeu que estava grávida… grávida… e como aconteceu este facto? O homem tomou a sua mão e ela seguiu-o.

O resto da historia é conhecido: nasceu uma criança, começaram as peregrinações através daquela terra desconhecida, árida, tórrida onde o sol era tão forte que Alfreda/Maria, depois tanto caminhar, caía prostrada, sem forças, na areia ardente do deserto, pedindo ajuda gritando “Ajuda-me, ajuda-me…a criança, Zé, a criança…”

Na “quinta dos jantares”, a meio da noite, o lamento de Dona Alfreda era tão forte que chegou até ao quarto da sua criada Joana que, preocupada, precipitou-se até onde Alfreda dormia. Joana abriu a porta e viu Dona Alfreda que se torcia na sua cama, em delírio, e que num estado de confusão repetia “ a criança, Zé, a criança…”.

A criada, com voz alta, despertou-a e perguntou-lhe: ”Ó Senhora Dona Alfreda, se faz favor… de que criança está a falar… não há crianças na quinta...”

Alfreda abriu os olhos e viu na cara da sua criada numa expressão interrogativa. Naquele momento ela compreendeu: olhou o quarto, o espelho e voltando-se na cama para a mesa da cabeceira, fixou um prato vazio que estava sobre esta…

“Criança? Ah sim, minha Joana, temos de nos lembrarmos de dizer ao Paulo que a criança que vem da loja da Dona Maria Gonçalves não deve trazer aqueles cogumelos de cores de arco-íris para os próximos jantares…!”


ROSANNA CIMAGLIA

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