venerdì 16 aprile 2010

Falando, fabulando - de Stefano Valente


Mais um belíssimo texto do nosso aluno Stefano Valente. Obrigado, Stefano!



Falando, fabulando

Da inteira România – o território que corresponde às línguas directamente descendentes do latim –, apenas na Península Ibérica se manteve o verbo fabulare (de fabula: ‘discurso, conversa, fala, conto mito, lenda, fábula’). De facto, só nas áreas do castelhano e do galego-português, para exprimir e significar o sentido do acto de falar, se desenvolveu esse termo latino (port. Falar, cast. hablar), enquanto que no resto dos idiomas neolatinos prevaleceu o verbo tardio parabolare (de parabola – veja-se o francês parler, o catalão parlar, o italiano parlare, etc.).
Poderia aparecer-nos um fenómeno casual, uma simples coincidência nas histórias linguísticas do panorama românico ou neolatino. Contudo, não é possível não reflectirmos e não interrogarmos: porque é que apenas nos extremos ocidentais do que foi o Império Romano perdurou – e até venceu – a dimensão do conto, da fabulação (isto é: da invenção) mais do que da palavra estabelecida, fixada pelos pensamento e pela doutrina, antes de mais religiosos?; será que, afinal, na Ibéria e na Lusitânia, a imaginação derrotou o ensino oficial, as fórmulas institucionalizadas, o mesmo Credo?
Trata-se de uma hipótese, certamente. Porém tudo acaba para se reincorporar, uma vez ainda, no jeito “periférico” de ver a realidade – e de se apresentar ao mundo – que bem caracteriza o ser e o pensar ibérico e nomeadamente lusófono.
Essa compreensão diferente, “outra”, do que está próximo – um próximo que, de facto, se torna sempre um “longínquo”, um “alheio” – não é talvez a mesma que levará a pequena faixa de terra posta no extremo Oeste da Europa a reinventar-se na Ásia, na África, nas Novas Índias? Não é, essa eterna tentativa de olhar além – e de existir além – a mesma necessidade pela qual Fernando Pessoa resolver-se-á sempre a ser outro/s? A mesma que leva o heterónimo engenheiro naval Álvaro de Campos a escrever na Ode Marítima?:

...
O Cais Absoluto por cujo modelo inconscientemente imitado
Insensivelmente evocado,
Nós os homens construímos
Os nossos cais de pedra actual sobre água verdadeira,
Que depois de construídos se anunciam de repente
Coisas-Reais, Espíritos-Coisas, Entidades em Pedra-Almas,
A certos momentos nossos de sentimento-raiz
Quando no mundo-exterior como que se abre uma porta
E, sem que nada se altere,
Tudo se revela diverso.
Ah o Grande Cais donde partimos em Navios-Nações!
O Grande Cais Anterior, eterno e divino!
...

Hipóteses. Perguntas. Fascinações. A Península Ibérica de fabulare – e, sobretudo, este Portugal que fa(bu)la, que nunca se cansa de contar o longe, o diferente – ensina-nos a riqueza preciosa, única da marginalidade.
Portugal.
Terra (ou talvez lenda) jamais desembarcada.
Nação-caravela.
E então, por último, o pensamento vai para a A Jangada de Pedra (1986), o romance em que José Saramago imagina que a península de Espanha e Portugal se destaque do resto da Europa, e comece a navegar pelos oceanos...



STEFANO VALENTE

1 commento:

Alessandro ha detto...

"Nação-caravela": muito lindo, Stefano.
Alessandro